Apoio ajuda ex-presos a superar reincidência
Fabiula Wurmeister, da sucursal
Foz do Iguaçu - Empregar ou não um ex-detento? Essa é a pergunta que a maioria das pessoas se faz quando está diante de um candidato à vaga de emprego que já tenha passado um período da vida atrás das grades. Diante da situação, a primeira reação geralmente é a de resistência. O desconforto, relatam ex-presos, é visível. Depois de mais uma resposta negativa, duas alternativas: continuar tentando ou voltar à criminalidade. A reportagem da Gazeta do Povo ouviu duas histórias positivas, de pessoas que insistiram na primeira opção.
Sobrevivendo de "bicos", o carpinteiro e pedreiro José Gonçalino dos Santos, 52 anos, passou quase dez anos preso por homicídio. Em liberdade desde 2005, no começo teve dificuldades. Uma carta de recomendação do diretor da Colônia Penal Agrícola, em Piraquara, facilitou as coisas. "Mas vi muitos voltarem para a cadeia por falta de oportunidade."
Enquanto em alguns casos o preconceito surge como obstáculo intransponível, em outros a força de vontade e a sensibilização são fundamentais para a mudança. "Sem isso, as alternativas seriam bem menores e as chances de dar certo também", avalia Ramão Oliveira, 43 anos, professor de matemática no Colégio Estadual Presidente Costa e Silva, em Foz do Iguaçu, desde 2000, quando saiu da cadeia. Passou três anos preso por ter sido flagrado com droga escondida entre caixas de cigarro e, depois, quase um ano procurando emprego.
Para os que defendem as correntes mais modernas do Direito, o cumprimento da pena em regime fechado desvirtua o que seria uma das funções do aprisionamento, além da punição: o de tirar o criminoso de circulação para proteger a sociedade. "O contato com pessoas que cometeram delitos mais graves e a necessidade de sobrevivência na prisão acabam levando algumas pessoas a se fixar no mundo do crime", explica o advogado e especialista em Direito Penal René Ariel Dotti. "Mesmo que este não seja o comportamento de todos, a sociedade espera que o ex-detento haja toda a vida como um criminoso."
Muitos têm a preocupação de como será quando estiverem livres outra vez. O caminho para o crime muitas vezes parece muito mais atraente que a indefinição da nova vida, a ponto de facilmente fazer os mais vulneráveis sucumbirem à tentação. "Sem o acompanhamento que tive logo depois de recuperar a liberdade e a confiança que recebi, minha vida seria outra", diz Oliveira. Encaminhado para trabalhar na secretaria do colégio, um ano depois prestou concurso público e garantiu uma vaga entre os docentes. "Nunca me imaginei dando aula, agora não consigo me ver fazendo outra coisa."
A experiência dentro e fora da cadeia em certas ocasiões serve de exemplo nas conversas com os alunos dos cursos supletivos, muitos com histórias de vida semelhantes. "Não foram poucas as vezes que notei problemas com alguns alunos. Nem todos querem falar, mas quando noto algum problema consigo conversar na mesma língua."
Uma força-tarefa composta de 34 juízes, 45 promotores, 62 advogados e 98 serventuários de diversas instâncias do Judiciário começa a rever a partir desta segunda-feira os processos de 29.506 detentos recolhidos nas delegacias e penitenciárias do Paraná. O trabalho consiste em reexaminar os autos criminais de presos provisórios e condenados para verificar o cumprimento das penas e prevenir irregularidades. Nos 17 estados onde já foi concluído, o mutirão carcerário liderado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) libertou dois a cada dez presos que tiveram o processo revisto.
Se conseguisse manter a média nacional, o mutirão colocaria em liberdade 6 mil detentos no Paraná, o que é pouco provável. Num índice intermediário, igual ao obtido pelo Espírito Santo, por exemplo, que soltou 8,2% dos 9.122 presos que tiveram seus processos revistos, os beneficiados poderiam chegar a cerca de 2 mil no Paraná. Ainda que numa previsão mais conservadora e mais provável para o caso paranaense , pelo menos 700 pessoas que estão presas irregularmente devem ser beneficiadas com a liberdade no estado.
Desde a criação, em agosto de 2008, o mutirão reexaminou 95.912 processos criminais em todo o país e responde pela liberação de 19.062 presos até agora. Isso equivale dizer que de cada dez processos revistos, em dois deles o acusado não precisaria mais estar na prisão, ou nem precisava ter sido encarcerado. Os libertados nesses mutirões correspondem a 4% dos detentos brasileiros. Entre os anos de 2000 e 2010, a população carcerária dobrou no país, saltando de 232 mil para 470 mil. Em média, quatro deles são presos provisórios, ou seja, estão em delegacias de polícia já condenados ou aguardando sentença.
No Paraná, o mutirão será lançado terça-feira, mas na prática começa na segunda e se estende até 14 de maio, com apoio do Tribunal de Justiça, da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Nacional do Ministério Público. As atividades serão divididas em quatro pólos: Curitiba, região metropolitana e litoral; Londrina e Maringá; Foz do Iguaçu, Cascavel e Francisco Beltrão; Ponta Grossa e Guarapuava. Os 29.506 processos a serem analisados correspondem à totalidade dos presos no estado, excluindo aqueles em regime aberto ou livramento condicional. Alguns processos podem conter mais de um réu.
Coordenador nacional do mutirão carcerário, o juiz federal Erivaldo Ribeiro dos Santos, da Seção Judiciária do Paraná e juiz auxiliar da presidência do CNJ, assegura que todos os processos serão revisados no estado. A meta de atingir 100% dos casos se deu a partir do mutirão do Piauí, depois das experiências conseguidas no Rio de Janeiro e no Maranhão. Contudo, as particularidades regionais fazem o resultado final variar.
Em Pernambuco, por exemplo, 21,3% das revisões resultaram na liberdade do preso (1.940 no total). No Rio, o mutirão respondeu pela liberdade de 27% daqueles que tiveram os processos reexaminados, resultando em 1.730 liberados. Em Goiás, foram soltos 2.069 detentos, 14,3% dos 14.425 que tiveram o processo analisado no mutirão. Já no Amapá, o resultado foi de 3,3% de solturas (49 dos 1.461 casos revistos) e no Rio Grande do Norte chegou a apenas 2,3% (dois casos entre 88 analisados).
Uma explicação para essas diferenças regionais está no funcionamento geral do sistema de Justiça nos estados, não só no caso da magistratura, mas também da Defensoria Pública, da polícia e do Ministério Público. Assim, se em um estado há muitas solturas, não se pode atribuir o atraso tão somente ao Tribunal de Justiça. Essa é uma das funções do mutirão, e os resultados vão constar no relatório final a ser entregue à Corregedoria Geral de Justiça.
Para o coordenador do mutirão carcerário, o diagnóstico do sistema judiciário que se obtém com esse trabalho é mais importante do que o resultado numérico. Erivaldo prefere não fazer projeções, mas no caso paranaense, descartada a média nacional, pela inviabilidade dos resultados (de dois soltos a cada dez processos examinados), uma previsão aceitável seria taxa idêntica à dos capixabas, de 8,2%, o que resultaria em 2,4 mil encarcerados soltos. Contudo, o mais realista seria esperar uma média equivalente à dos potiguares, de 2,3%, o que levaria 700 à liberdade no Paraná, ou considerar a taxa do Amapá, que elevaria os beneficiados para algo em torno de mil pessoas.
Também na terça-feira, o governo do Paraná promove o seminário Sistema Penitenciário Desafios e Soluções, com propostas e debates a cargo de juristas especializados em criminologia. O evento será realizado das 14 às 18 horas, no Canal da Música. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas no local. Há duas semanas, durante a Escola de Governo, o governador Roberto Requião criticou a mão dura do Judiciário e disse que é mesmo hora de rever o modelo que leva para as cadeias autores de delitos leves, de pequena gravidade. O Paraná tem 36,4 mil pessoas em penitenciárias, prisões e delegacias.
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