Mutirões promovidos por advogados voluntários têm conseguido, a passos lentos, reduzir o problema da superlotação em delegacias no Paraná. Mas ainda são poucas as cidades onde há esse tipo de serviço. Apenas Maringá, Ponta Grossa e Curitiba prestam assessoria jurídica a presos de baixa renda. A defensoria pública, que deveria ter esse papel, atua apenas nas cidades de Carambeí, Londrina, Umuarama, além da capital e região metropolitana e assume que não tem pessoal suficiente para a realização do serviço.
Não há números ou estatísticas oficiais que mostrem quantas pessoas estão presas e poderiam estar cumprindo pena em liberdade. Mas é possível ter uma estimativa do tamanho do problema. Com 20 anos de experiência como promotor de Justiça no Paraná, o diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Maurício Kuehne, calcula que, no Paraná, 4,2 mil presos que estão em delegacias poderiam estar soltos e que 3 mil detentos das penitenciárias têm direito a algum tipo de benefício, como regime semi-aberto ou liberdade condicional. O cálculo, segundo Kuehne, segue a proporção nacional, que seria de 30% da população prisional atrás das grades desnecessariamente. Em todo o estado, existem atualmente 22 mil presos, sendo 12 mil em sistema penitenciário e 10 mil em delegacias superlotadas.
Membro da comissão nacional dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), conselheiro penitenciário e vice-presidente do conselho permanente de Direitos Humanos do Paraná, o advogado criminalista Dálio Zippin Filho afirma que a falta de um levantamento sobre a situação jurídica dos presidiários é o primeiro indício de que muitos são desassistidos pelo estado. Com base na experiência, ele assegura: "A grande maioria dos detentos não deveria estar na cadeia".
Furto
Um chocolate roubado levou Gilcilley Fernandes a passar 60 dias no mini-presídio Hildebrando de Souza, em Ponta Grossa. Somente com o mutirão realizado graças a um convênio com a Vara de Execução Penal, a subseção local da OAB e a Comissão de Direitos de Ponta Grossa, é que Fernandes conseguiu a liberdade provisória. A mãe do rapaz, Dircélia Corrêa dos Santos, zeladora, que sobrevive com apenas um auxílio-doença, conta que não tinha condições de contratar um advogado para o filho. "Não queria que ele roubasse, foi um erro. Ele conheceu muita coisa ruim naquele lugar", fala.
Segundo advogados do mutirão, como Fernandes era réu primário e tinha bons antecedentes, ele poderia responder ao processo em liberdade. Há quatro semanas, Fernandes deixou a cadeia, graças ao assessoramento jurídico. Envergonhado, ele não quer mais ficar na cidade e está em Santa Catarina procurando emprego.
Com o mutirão, cerca de 120 pessoas foram soltas ou transferidas do mini-presídio. O local tem capacidade para abrigar 112 presos, estava com aproximadamente 400 detentos. Cerca de 20 advogados participam da iniciativa que não tem data definida para terminar. "O mutirão deve permanecer", fala o presidente da comissão dos direitos humanos, Luis Carlos Simionato Júnior.
Em Maringá também está em andamento um mutirão promovido pela Comissão de Advogados Criminalistas Voluntários. Eles atenderam mais de 160 detentos com direito a benefícios, presos temporariamente na 9.º Subdivisão Policial de Maringá. A delegacia com capacidade para 120 presos, mas estava com 430 detentos. Segundo a coordenadora da comissão, a advogada Rita de Cássia Lopes da Silva, 8 advogados e 17 estagiários se propuseram a atender detentos de baixa renda e que não recebiam nenhum outro tipo de assessoramento, como Assistência Judiciária da Universidade Estadual de Maringá (UEM). A Vara de Execução Penal local tem carência de pessoal, por isso demora a avaliação dos processos, adiando a concessão de benefícios.
A idéia da comissão surgiu de uma discussão sobre a necessidade de buscar advogados para fazer o atendimento aos presos em flagrante. "Muitos dos detidos nessa situação podem ter direito à liberdade provisória, e sem o assessoramento jurídico esse direito é adiado e a pessoa permanece presa", fala Rita.