A partir de agora, o produtor de fumo do Paraná e de Santa Catarina que empregar o filho menor de 18 anos na lavoura corre o risco de perder o contrato com a indústria fumageira. O Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal e o Sindicato da Indústria do Tabaco (SindiTabaco) assinaram, no início deste mês, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que regra a relação entre os fumicultores e a indústria. Entre as cláusulas do acordo está a obrigação da apresentação da matrícula e da frequência escolar dos filhos dos produtores. O objetivo é evitar a mão de obra infantil no campo.
Há três anos, a Gazeta do Povo e a RPC TV fizeram reportagens que mostraram o uso da mão de obra infantil no fumo. Não há números sobre quantas crianças e adolescentes trabalham na fumicultura, mas os dados do SindiTabaco indicam que há 90 mil famílias nos estados do Paraná e de Santa Catarina que praticam essa atividade. Com o pacto, eles terão de apresentar a matrícula dos menores no começo das aulas e o comprovante da taxa de frequência escolar no fim do ano letivo.
Os orientadores e técnicos agrícolas das fumageiras farão o acompanhamento. A indústria também fica responsável pela distribuição de cartilhas explicativas, propagandas de orientação na mídia e realização de palestras. O sindicato alega que desde 1998 a indústria já cobra dos produtores a frequência escolar dos filhos e que, a partir de 2009, essa determinação foi intensificada.
Responsabilidade
Mas o trabalho ilegal se manteve. O acordo firmado em Brasília foi resultado de 17 ações que tramitaram nas procuradorias do Paraná e de Santa Catarina. Um TAC semelhante foi firmado em 2009 entre a indústria de sucos de laranja e uma fazenda produtora de Araras, na região de Campinas. Em 2008, o Rio Grande do Sul, que tem o maior polo fumicultor do Brasil e concentra 51% da produção nacional de tabaco, também implantou os mesmos termos para evitar que os filhos dos produtores trabalhassem na lavoura.
"O trabalho infantil existe na cultura do fumo e, além do trabalho infantil, existe a intoxicação dos trabalhadores pelo uso de agrotóxicos e pelo próprio trato com a folha verde do tabaco. A indústria é responsável pela saúde dos trabalhadores e pelos danos ao meio ambiente que vierem a ser registrados", aponta a procuradora Adriana Machado. O acordo também determina que menores de 18 anos e maiores de 60 anos não apliquem veneno nas lavouras para evitar contaminações.
O advogado Guilherme Eidt, que hoje é consultor da Aliança de Controle do Tabagismo e atuou em algumas ações trabalhistas contra as fumageiras, teme que o acordo não seja cumprido. "A cláusula que proíbe o trabalho infantil já existe nos contratos firmados entre a indústria e o produtor e sempre se fez vista grossa com relação a isso", aponta. Ele opina ainda que houve uma "inversão de lógica" no pacto, pois os produtores é que serão punidos com a rescisão do contrato, e que os filhos são empregados pelos pais na plantação pela relação imposta pela indústria. "Elas se baseiam no endividamento do produtor, que não encontra meios de sair do contrato", considera.
Em nota, o sindicato informa: "os termos do acordo vêm ao encontro de uma política adotada pelo setor que prima pela educação das crianças e adolescentes, filhos de produtores rurais, e a melhor qualidade de vida dos produtores de tabaco", afirma Iro Schünke, presidente do SindiTabaco.
Lavradora quer outro destino para os filhos
"Na minha época era difícil estudar, tinha que caminhar sete quilômetros para pegar o ônibus e daí ir para a escola", fala a lavradora Sandra Mara Marques Canteri, 43 anos, que fez o antigo primário. Como ela, segundo levantamento da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), está a maioria dos lavradores: 89,9% dos produtores de fumo têm o ensino fundamental incompleto. Ela tenta fazer com que os filhos tenham destinos diferentes. O mais velho, de 22 anos, concluiu o ensino médio, o outro, de 18 anos, parou ao terminar o ensino fundamental, a filha de 12 anos está matriculada na sexta-série e o menor, de quatro anos, que está em idade de frequentar a educação infantil, não vai para a creche por ser difícil usar o transporte escolar rural. "O ônibus não passa perto de casa, tem que esperar lá na rodovia", afirma Sandra, que mora num sítio há cerca de 500 metros da pista, na localidade de Santaria, em Ipiranga, nos Campos Gerais.
Ela diz que apresentará todos os documentos exigidos pela fumageira, pois não quer ficar sem o contrato. O fumo lhe dá mais retorno financeiro que o milho. "Para você ter uma ideia, colhi 57 sacas de milho e recebi R$ 970 reais. Se eu tivesse plantado só fumo no terreno teria dado R$ 15 mil", exemplifica. Sandra, que cresceu ajudando os pais na lavoura, não somente de fumo, mas também de outras culturas, acredita que o acordo entre indústria e Ministério Público do Trabalho é importante, mas desconfia que ele seja positivo. "Se um menor ficar sem trabalhar com o fumo até os 18 anos e depois quiser aprender, será que ele vai conseguir?", questiona.
A única filha da lavradora que frequenta a escola, Diandra Canteri, 12 anos, diz que tem vários colegas de classe que são filhos de fumicultores. Todos os dias da semana, ela viaja uma hora de ônibus, somando ida e volta, para estudar em Ipiranga. "Eu gosto de estudar e quero continuar assim", resume.