Durante as quase três décadas de ditadura que se seguiram ao golpe de 1964, cerca de 150 publicações de oposição surgiram e desapareceram. Eram conhecidas como "imprensa alternativa" ou "nanica", referência ao formato tabloide que a maioria desses jornais adotava. Ouvido pela Gazeta do Povo, o jornalista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Bernardo Kucinski lembra que o ciclo alternativo não ocorreu apenas no Brasil, mas aqui teve características próprias por causa da ditadura.
No fim dos anos 60, a imprensa alternativa prosperou numa era de revolução nos costumes, com a liberação sexual, a luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos e as revoltas de maio de 1968 na França. O Pasquim, Opinião, Movimento, Coojornal e Em Tempo eram alguns dos representantes mais expressivos desse movimento no Brasil. O mais longevo e bem sucedido deles completou, em 26 de junho, 40 anos de fundação.
Sucesso
Concebido inicialmente como um jornal do bairro de Ipanema, zona sul do Rio, O Pasquim fez do humor sua trincheira na resistência ao regime e se tornou porta-voz da contracultura, opondo-se não apenas aos valores da ordem vigente, mas também à cultura da esquerda tradicional. Sob o comando do cartunista Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, o Jaguar, o jornal permaneceu em circulação até 1991 um feito extraordinário, considerando-se que a maioria das publicações alternativas não passava do quinto número.
Jaguar não acreditava que o jornal ultrapassasse os limites do então estado da Guanabara e achava loucura rodar 20 mil exemplares na estreia, em 1968, mas a tiragem inteira se esgotou. Em sua fase de maior sucesso, o jornal chegou a vender 225 mil exemplares.
Pregando a liberação sexual, o hedonismo e a coloquialidade, O Pasquim revolucionou o jornalismo brasileiro. Alem da oralidade, a publicação foi a pioneira no uso do palavrão. Millôr Fernandes e Ziraldo colaboraram desde o primeiro número. Em seguida vieram Henfil, Sérgio Augusto e Paulo Francis. Outros colaboradores ilustres foram Moacyr Scliar, Chico Buarque, Caetano Veloso, Ferreira Gullar e Gláuber Rocha.
O jornal dedicou uma capa ao arcebispo Hélder Câmara, vetado pela censura, e fez uma entrevista histórica com Leila Diniz, publicada no número 22, em que a atriz, com naturalidade, pontua suas respostas com palavrões alguns transcritos e outros trocados por asterisco, mas de óbvia dedução.
O Pasquim passou a atrair muitos anúnciantes. Para a repressão, era um instrumento subversivo de desagregação da família. A redação escapou de um atentado a bomba, e em 1970 boa parte da equipe foi presa. O grupo foi libertado em 1971, mas O Pasquim foi submetido à censura prévia até 1975. No fim dos anos 70, a publicação começou a definhar, e fechou em 1991. Passados 18 anos, Jaguar, o único membro da equipe original a permanecer até o fim, se recusa a falar sobre o jornal. "Já dei 500 entrevistas sobre isso", alega.
Ideologia
Conforme narra Kucinski em Jornalistas e Revolucionários, a esquerda ortodoxa não ficou de fora da imprensa alternativa. Militantes de grupos clandestinos viram nos jornais um instrumento de mobilização para construir uma revolução socialista, com semanários vinculados a partidos e movimentos de esquerda. Um deles, O Sol, patrocinado pelo Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), chegou a circular diariamente e foi citado na canção Alegria Alegria, de Caetano Veloso ("O Sol nas bancas de revistas").
O surto alternativo da imprensa brasileira conquistou espaços na imprensa convencional. Grandes jornais e revistas mantiveram, por um breve período, uma cobertura crítica à repressão, até que o AI-5, decretado em dezembro de 1968 pelo marechal Costa e Silva, fechou as portas das publicações a jornalistas combativos. Às vozes discordantes restou a imprensa nanica, que se segmentava em vários nichos, como o humorístico, o feminista, o ambiental e o da contracultura.
A partir do meio da década de 70, quando a ditadura começou a ruir, a partir do governo Geisel, a imprensa alternativa se regionalizou graças a cooperativas de jornalistas. No Paraná, a Copjornal, de Londrina, lançou o Paraná Repórter (1980), editado por Bernardo Pelegrini, que durou quatro edições. Boca no Trombone, editado em Curitiba por Télia Negrão, não passou do número zero.
A partir de 1981, quase todos os títulos alternativos saíram de circulação. Além de O Pasquim, os que sobreviveram eram ligados a partidos e facções de esquerda. A abertura política foi decisiva para o fim do movimento, já que o combate à ditadura era a principal bandeira de luta da imprensa nanica. Mesmo encerrado, o ciclo alternativo deixou sua marca no país, formando uma geração de jornalistas, cartunistas e até políticos.
Herdeiros
A influência deixada pelo Pasquim está presente até hoje. O filhote mais famoso do jornal foi O Planeta Diário, embrião do Casseta & Planeta. Fundado pelos cartunistas Reinaldo, Hubert e Cláudio Paiva todos da equipe do Pasquim , o tabloide, lançado em 1984, apostava no humor anárquico e escrachado. Kucinski afirma que revistas como Caros Amigos mantêm abertos os espaços alternativos na mídia impressa brasileira. "Há ainda a Piauí, que tem uma estética alternativa, mas repete as mesmas ideias da grande imprensa", observa. Para Kucinski, o jornalismo alternativo ainda se mantém vivo na internet. "É um espaço mais livre", argumenta.
No Paraná, uma publicação alternativa é a revista literária Coyote, de Londrina, patrocinada pela prefeitura da cidade. "A revista não circula pelos meios normais", explica o poeta Marcos Losnak, um dos editores. Com tiragem de mil exemplares, Coyote é distribuída em livrarias. Lançada há 7 anos, a publicação, que está chegando ao número 20, é a única do estado com conteúdo exclusivamente literário, em prosa e poesia. Já o jornal Rascunho não se limita a publicar trechos de obras, abrindo espaço para resenhas, críticas, entrevistas e notícias.