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“Não desistam”, pede tenente que lutou por igualdade entre homens e mulheres na PM

Luci Belão conseguiu o que parecia quase impossível: abrir portas para a luta das mulheres em um ambiente majoritariamente masculino | Lineu Filho/Gazeta do Povo
Luci Belão conseguiu o que parecia quase impossível: abrir portas para a luta das mulheres em um ambiente majoritariamente masculino (Foto: Lineu Filho/Gazeta do Povo)

Lutar pela igualdade de direitos entre mulheres e homens não é fácil. Na Polícia Militar do Paraná (PM-PR), guiada pelo rigoroso regimento disciplinar do Exército (RDE), é ainda mais difícil diante do poder da hierarquia e disciplina. Basta lembrar o caso recente da bombeira soldado Lilian Vilas Boas, 32 anos, que pode ser presa por oito dias após ensaio fotográfico sensual sobre o empoderamento das mulheres.

Essa dificuldade torna o trabalho da tenente aposentada da PM-PR, Luci Belão, 55 anos, ainda mais importante. Ela foi oficial dentista do Hospital da PM. Mas não se limitou a tratar seus pacientes. Entrou na corporação já com 40 anos, mas conseguiu abrir portas para a luta das mulheres em um ambiente majoritariamente masculino.

Militante feminista, ela é consultora da Comissão de Estudos Sobre Violência de Gênero, da seção paranaense da OAB e, quando é chamada, concede aulas de Direitos Humanos na Academia Policial Militar do Guatupê, além de ministrar palestras sobre relações de gênero. Desde sempre trabalha na rede de proteção a pessoas em situação de violência. Antes da PM, trabalhou na Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba. Já em 2012, na corporação, formou um núcleo para debater direitos humanos. Durou até meados de 2013. Perdeu-se dentro do organograma militar sem um comando que o abraçasse. “Se a polícia trabalha com violência, ela com certeza vai também atender violência de gênero. Então, a violência na instituição também precisa ser trabalhada”, disse. Luci recebeu uma medalha por mérito comunitário da própria PM, já aposentada, algo considerado raro na corporação.

Ela conversou com a reportagem da Gazeta do Povo na última semana, após o caso da bombeira Lilian vir à tona e reforçou a necessidade de debater as relações de gênero dentro da polícia. Foi logo dando um recado às mulheres das corporações militares

“Não desistam. Sejam punidas. Vamos continuar brigando pelo que a gente acredita. Nenhum direito vem sem luta, nem dentro nem fora da corporação. Eu digo para todas as mulheres, não só da PM: não desistam”, afirmou. Na avaliação dela, o militarismo não é o problema.

Ainda defende suas leis, mas lembrou que as punições são um meio para que isso aconteça e para que a legislação mude. “Por que as instituições não conseguem lidar com isso ainda? O que está faltando? Se abro espaço para mulheres, o que eu penso sobre isso, o que eu quero e o que vou fazer? Não há mundo feminino ou masculino. O mundo é o mesmo. O que tem é diferença de direitos. O que está faltando é discutir gênero. É pela educação que nós vamos conseguir mudar”, lembrou. Isso, destacou ela, não tem nada a ver com definição sobre ser hétero ou homossexual.

O caso da bombeira Lilian, segundo ela, é importante para a corporação ver a necessidade de discutir as relações de gênero dentro da polícia antes que o tema seja debatido fora. Para ela, o ensaio fotográfico de Lilian não lhe manchou a honra, muito menos atingiu a da instituição. “Está faltando é sentar na mesa e ver até onde o militar pode ir (objetivamente)”, sugeriu, lembrando da subjetividade do RDE.

Primeira escola da PM para mulheres

Luci, que prefere ser chamada pelo nome e não pela patente agora na reserva, lembrou ainda a dificuldade do primeiro concurso para policiais militares mulheres, em 1977 (as mulheres podem fazer concurso para bombeira somente desde 2005).

“A PM não sabia o que queria das mulheres. Diziam que elas iriam trabalhar com crianças, mulheres e idosos. Eram como assistentes sociais. A polícia até tem essa função. Não podia estar namorando ou casada, não podia querer ter filhos e não podia ser lésbica. E com esse perfil de não namorar ou casar, nem ter filhos, deduzia-se que elas seriam lésbicas. Na primeira escola da PM para mulheres o lema era: ‘se os homens fazem x as mulheres tem que fazer dois xs’”, explicou.

A legislação da época, no entanto, não barrou as mulheres de realizarem seus desejos. Elas namoraram, casaram, engravidaram dentro da corporação. Enfaixavam a barriga. “Eram punidas? Eram. Sempre falo que nenhum direito vem sem luta. Quando vejo essa punição (da bombeira), digo: é mais uma luta”, mencionou.

Esperança

Apesar das críticas, Luci não deixou de destacar a evolução da corporação, nem de depositar sua esperança no atual comandante-geral da PM, coronel Maurício Tortato. Segundo ela, até 2000, as mulheres não podiam ascender a patentes acima de tenente. “Hoje a chefe do Estado Maior é mulher. É a coronel Audilene (de Paula Dias Rocha). Isso temos que festejar”, disse.

“Eu ainda tenho fé que o Tortato seja a pessoa que pode mudar a polícia. Que a corporação está em boas mãos. É sensível e inteligente”, comentou. Segundo ela, o comandante é aberto a mudanças.

O tiro saiu pela culatra

“Um dia fui fazer uma instrução de tiro na PM. O instrutor, muito educadamente disse: vamos ter que começar no nível mais baixo porque tem pessoas aqui que não são da área e que tem mãos pequenas. Aí um capitão, amigo meu, disse: ‘não, a Luci atira como um homem’. Ele quis elogiar e falou isso. Eu disse que atirava como uma mulher bem treinada. São coisinhas do dia a dia que tem que se enfrentar”.

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