Quando o juiz Fábio Uchôa, do Tribunal de Justiça do Rio iniciou a leitura da sentença, por volta de 1h desta quinta-feira (14), o sorriso, até então, no rosto do traficante Luiz Fernando da Costa, 47, o Fernandinho Beira-Mar, foi substituído por uma expressão tensa e pernas visivelmente trêmulas.
À medida que as penalidades eram relatadas, Fernandinho Beira-Mar, apontado por policiais e promotores, como o maior traficante de drogas nos anos 2000, deixou de lado a confiança que demonstrava até então em sua absolvição.
Ouviu que seria condenado a 120 anos de prisão por quatro assassinatos de rivais durante uma rebelião dentro da penitenciária Bangu 1, em 11 de setembro de 2002. Abalado, Beira-Mar pediu a palavra.
“Não é justo. Cometi muitos crimes, mas este não”, disse o traficante ao magistrado que pronunciou a sentença. Recebeu a pena máxima. Somando-se a processos anteriores, as condenações de Beira-Mar superam os mais de 300 anos de prisão.
Na prática, de acordo com o juiz Fábio Uchôa, esta nova condenação pode fazer com que o criminoso não obtenha benefícios da Justiça, como o direito ao regime semiaberto, por exemplo. Teria assim que cumprir rigorosamente os 30 anos de detenção, pena máxima de acordo com a legislação penal brasileira, em regime fechado.
Ele já cumpriu 14 anos e passou pelas quatro unidades federais de segurança máxima: Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Mossoró (RN) e Porto Velho (RO), esta última é seu endereço atual. Todos os passos do traficante são monitorados de perto: as visitas de sua mulher e do advogado são gravadas. A justificativa para esta medida é que mesmo preso, ele ainda continuaria a controlar a distribuição de drogas para o Rio.
Nesta década no cárcere, Beira-Mar se tornou um dedicado estudante de Teologia. Atrás das grades, leu obras diversas como “A Arte da Guerra”, de Sun Tizu, “O Caçador de Pipas”, de Khaled Hosseini ou “Quando Nietzche Chorou”, de Irvin Yalom.
Ao longo do julgamento, que se estendeu por 10 horas e 15 minutos, ele pediu a palavra e falou por mais de uma hora. Demonstrou desenvoltura diante da plateia.A todo momento se virava para conversar com os advogados, um deles, a sua irmã, Alessandra. Logo no início do depoimento pediu papel e caneta ao juiz Uchôa para registrar detalhes daquela sessão.
Durante o depoimento do ex-rival Celso Luís Rodrigues, o traficante Celsinho da Vila Vintém, chegou a anotar pontos que gostaria de contestar. Poupado na chacina dentro de Bangu 1, em 2002, Celsinho foi convocado como testemunha da defesa.
O juiz Fábio Uchôa disse que em 30 anos de trabalho no Tribunal do Júri nunca tinha visto um réu optar por falar, como no caso de Beira-Mar. Diante do tribunal, o traficante se disse vítima da mídia: “Ter meu nome dá Ibope. Estou aqui por causa do meu vulgo. Meu nome justifica tudo”, afirma.
Chegou a citar o empresário Eike Batista em sua defesa. “Todos acreditavam nele (Eike) até que faliu. A mesma coisa é comigo. Eu tenho fama de apaziguador, por isso, fui colocado para falar com o governo naquele momento. Lembro que o gabinete da então governadora Benedita da Silva (PT) tinha o pastor Marcos Pereira, que falava com a gente. Fazia a mesma coisa que o Juninho faz hoje, a interlocução com os presos”, disse Beira-Mar, numa referência a José Júnior, coordenador da ONG Afro Reggae.
Durante a fala de Beira-Mar, o magistrado deixou sua cadeira e se aproximou, ficando de pé, a dois metros do réu. O traficante chegou a ser repreendido por fazer perguntas retóricas ao juiz para pontuar sua linha de raciocínio. “Excelência, todos os juízes são unidos?”, perguntou Beira-Mar.
Também foi repreendido por criticar a promotora Fabíola Lima que perguntou onde ele estava no momento das execuções de Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê; de Carlos Roberto da Costa, o Robertinho do Adeus; de Vanderley Soares, o Orelha (ambos cunhados de Uê) e de Elpídio Rodrigues Sabino, o Pidi, todos executados dentro de Bangu 1.
A promotora ressaltou que, além de detento, Beira-Mar era líder da facção Comando Vermelho dentro da prisão. O traficante respondeu: “A senhora está equivocada. A senhora não entendeu o que eu disse. Não sou líder de nada”. Neste momento, com cinco horas de julgamento, ele aparentou certa tensão.
Relatou que não podia acenar para a plateia onde estavam irmãs, filhos e netos: “vão dizer que o Beira-mar está debochando da Justiça”. E chegou a ser questionado por Fábio Uchôa pelas vezes em que riu durante seu pronunciamento.
“Você não está debochando?”, perguntou o juiz. “Não, excelência. Meu riso é de nervoso”, garantiu Beira-mar.
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