Nem mesmo a proporção de um policial militar para cada 400 moradores bem superior à média do Paraná, que é de um a cada 700 fez despencar a criminalidade no Uberaba de Baixo, área curitibana que há seis meses recebeu a primeira Unidade Paraná Seguro (UPS). Num pedaço de chão de dois quilômetros quadrados, em que moram 20 mil pessoas, aconteceram 18 homicídios em 2012. É quase um assassinato para cada grupo de mil moradores. E 15 dessas mortes ocorreram depois da instalação da UPS. Atualmente, a taxa de homicídios é sete vezes maior que a registrada no Paraná.
>>Vídeo: assista uma entrevista com o coronel César Alberto Souza, responsável por coordenar as UPSs
Os índices são menores que os registrados nos primeiros oito meses de 2011, quando 25 pessoas foram assassinadas. Melhorou, como não poderia deixar de ser em uma região que passou a receber mais atenção do poder público. Mas não existe mágica. A simples presença policial não é capaz de intimidar os criminosos. Na semana passada, por exemplo, uma mulher teve a bolsa roubada a três quadras da sede da UPS. E o tráfico de drogas não abandonou o lugar. Continua sendo, nas palavras da própria polícia, o principal problema no conjunto de 15 vilas, também conhecido como Bolsão Audi-União.
Luta por território
O delegado da Homicídios, Rubens Recalcatti, revela que a prevalência de crimes cometidos em função de luta por território e envolvimento com o tráfico continua. Entre os assassinatos também ocorreram crimes passionais e resultantes de assalto, como latrocínio. O local das mortes evidencia uma coincidência. Seis homicídios aconteceram em ruas que levam nomes de militares: três na Capitão Leônidas Marques e três na Tenente-Coronel Benjamin Lage. Nos primeiros meses da UPS, a frequência de homicídios arrefeceu. Mas, com três casos em julho e quatro no mês seguinte, a PM decidiu fazer um reforço pontual no policiamento. O número de policiais na UPS do Uberaba, durante as duas últimas semanas de agosto, saltou de 45 para 100.
"Está estranhamente quieto. Esse silêncio indica que algo vai acontecer", comentou um policial da UPS, prestes a encerrar o expediente na noite da última quinta-feira. Dito e feito. No dia Sete de Setembro espocaram tiros. Foi a execução de Ezequiel dos Santos, 21 anos. Há três anos, "Kel", como era conhecido, estava entre os suspeitos de envolvimento com a chacina que marcou o bolsão e resultou na morte de oito pessoas. As informações que circulam pelas vilas mostraram que ele seria autor de outros crimes nos últimos meses no Uberaba de Baixo. "É uma briga por poder", afirma um morador.
Polícia conhece o paradeiro dos traficantes, mas prender é difícil
A ideia de que o tráfico de drogas simplesmente desaparece a partir da instalação de uma Unidade Paraná Seguro (UPS) não é defendida nem mesmo pela polícia. Responsável pelo programa, o coronel César Alberto Souza admite que o comércio de entorpecentes ainda é o principal problema do lugar. Subcomandante da UPS, o tenente Bruno Bora também confessa: "Os policiais sabem onde moram os traficantes, mas só podemos prender em flagrante. Passamos informações para a Polícia Civil, mas investigar é com eles".
Antes mesmo da UPS, o Bolsão Audi-União estava longe de ser uma área proibida pela polícia. O tráfico sempre foi forte, mas não chegou a dominar o território a ponto de expulsar o poder público.
"Quarteto do terror"
No momento, de acordo com relatos locais, um grupo de jovens amedronta moradores. Chamado de "quarteto do terror", seria autor de vários crimes nos últimos meses. Um dos criminosos teria sido "importado" do Cajuru. Considerou mais seguro atuar na região do Uberaba de Baixo, apesar da UPS. Dois estão fora de circulação: um foi preso pela Guarda Municipal há algumas semanas e outro seria Kel, executado na semana passada.
Estabilização da violência vai levar 3 anos, diz comandante
Uma área estigmatizada, que carece de infraestrutura pública e que deve atingir o ponto de estabilização da violência no prazo de três anos. Assim é o Uberaba de Baixo aos olhos do subcomandante-geral da Polícia Militar, coronel César Alberto Souza, que é responsável por coordenar as UPSs. A convite da Gazeta do Povo, ele percorreu a área na semana passada para indicar o que está sendo feito e quais os entraves para o trabalho policial.
Encontrar formas de levantar a autoestima da população local seria uma medida essencial, acredita Souza. "Aqui tem tudo para ser tão perigoso quanto a Vila Isabel ou tão tranquilo quanto o Água Verde. Acontece que 98% das pessoas que moram aqui, nessas condições, são pessoas boas, trabalhadoras. Mas tem os 2% que vão delinquir", comenta. O coronel afirma que apenas a polícia não resolverá os problemas da região do Uberaba de Baixo. A redução da desigualdade e o aumento nas oportunidades de trabalho e na oferta de educação e lazer são fundamentais. Com ações integradas, Souza avalia que será possível chegar a um horizonte bem menos violento em alguns anos.
Ponto de vista
Conhecedor de lugares miseráveis de Norte a Sul do Brasil, o professor Carlos Mello Garcias, da PUCPR, também esboçou a impressão que teve ao visitar, pela primeira vez, o Uberaba de Baixo. "Não tem a aparência de favela. Está fácil de resolver alguns problemas aqui", analisa. Engenheiro civil que acabou se especializando na área ambiental, ele avalia que investir em saneamento básico seria primordial. Para Garcias, os obstáculos urbanos também são determinantes para o cenário de violência que se instalou no Uberaba. A linha do trem, as cavas do Rio Iguaçu, a BR-277 e a Avenida das Torres acabaram ilhando a população.
Aproximação
Policiais começam a criar intimidade com a comunidade
Quinta-feira, 6 de setembro, foi dia de alegria na sede da UPS. Uma vida foi salva. Ao avistar uma viatura, uma mulher acena para os policiais. Explica que a filha da vizinha está passando muito mal. O bebê de poucos meses já está em estado de choque por desidratação. Os policiais levam a criança inconsciente, às pressas, para a unidade de saúde. O médico confirma: em menos de uma hora não haveria mais esperança de sobrevivência.
Aos poucos, a comunidade esboça aproximações com a polícia. Uma mulher vai à sede da UPS para pedir o número de telefone da Rodoferroviária. Outro morador chega, de bicicleta, senta numa das cadeiras da recepção e diz que foi apenas fazer uma visita. Centenas de pessoas foram entrevistadas pelos policiais sobre os problemas do bolsão. As anotações, cada uma do tamanho de meia página sulfite, revelam desde lamentos pela falta de vagas em creches a pedidos de saneamento básico. A polícia encaminha ofícios com as mais diversas demandas. Várias ruas passaram a ter iluminação pública ou tiveram as lâmpadas queimadas trocadas após pedidos feitos pela UPS.
É pelo rádio, por meio de chamadas ao 190, que chegam os relatos de ocorrências ou suspeitas. De acordo com o coronel César Alberto Souza, é assim que deve ser. O telefone da UPS é mais para pedidos de informação e contato com o policiamento local. Também chegam denúncias por cartas.
O Google Street View esteve na região do Uberaba de Baixo em junho e julho do ano passado. Imagens feitas pela Gazeta do Povo mostram o cenário atual.
VIDA E CIDADANIA | 4:15
Engenheiro civil e ambiental, o professor Carlos Mello Garcias, da PUC-PR, comenta a impressão que teve ao conhecer a área da primeira UPS
VIDA E CIDADANIA | 2:41
o subcomandante-geral da Polícia Militar, coronel César Alberto Souza, que é responsável por coordenar as UPSs, foi até o Bolsão Audi-União para falar sobre como vê os problemas da comunidade.