“Não há evidências científicas que justifiquem o uso de Cannabis em tratamentos psiquiátricos”, diz ABP| Foto: Kimzy Nanney/Unsplash
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A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicou, no último dia 17 de julho, um posicionamento oficial sobre o uso de produtos com substâncias extraídas da maconha (cannabis sativa) em tratamentos psiquiátricos. A associação recomenda cautela na utilização de derivados da planta, como o canabidiol e o tetrahidrocarbinol (THC), lembrando que não existem evidências científicas que provem a sua eficácia contra doenças mentais. Ao mesmo tempo, o documento lembra que a adoção de substâncias psicoativas presentes na cannabis causam dependência química, podem desencadear quadros psiquiátricos ou piorar os sintomas de enfermidades já diagnosticadas.

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No documento oficial, a Associação fez críticas aos veículos midiáticos que "endossam estudos sobre os possíveis 'benefícios' da cannabis, corroborando para interpretações equivocadas e contribuindo para a impressão de que a maconha é um produto totalmente seguro e inofensivo para o consumo, sobretudo pelos mais jovens".

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"Essa 'publicidade' positiva remete à época em que os cigarros eram comercializados com chancela da mídia, e até mesmo de parte da comunidade médica, para atender interesses financeiros", diz a ABP.

Segundo a ABP, "não há nenhuma evidência científica convincente de que o uso de canabidiol, ou quaisquer dos canabinoides, possam ter qualquer efeito terapêutico para qualquer transtorno mental".

A associação defendeu a continuidade das diversas pesquisas que tentam descobrir se realmente há eficácia no uso de canabidiol, e reforçou que os estudos sobre os efeitos colaterais e a probabilidade de dependência também sejam intensificados.

O psiquiatra e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Alexander Moreira, explicou que existe uma "afobação" em torno desse assunto, com o intuito de legalizar a maconha no país. "Apresentam a maconha medicinal terapêutica diminuindo o senso de risco para facilitar a ideia de que liberar a maconha seria benéfico", destaca.

De acordo com psiquiatra, o uso da cannabis em tratamentos psicológicos tem se mostrado "ineficaz" e gerado uma "falsa expectativa nas pessoas".

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"Para fazer uso de uma substância é preciso ter garantido a eficácia, a segurança, baseada em vários estudos; hoje não há evidências robustas sobre a maconha para nenhum transtorno mental", disse.

Moreira ainda fez um comparativo com o debate nacional sobre o uso off label da cloroquina contra a Covid-19. "Houve toda uma discussão sobre a cloroquina, pedindo recomendações e evidências; criticaram a cloroquina com razão, e não usam os mesmos critérios para a cannabis e os seus derivados", disse.

Falta de evidências e os riscos à saúde

No comunicado oficial, a ABP destaca ainda que existem estudos mostrando que o uso e abuso de cannabis podem desenvolver ou agravar doenças mentais. "O uso de cannabis está associado à alteração de humor, à depressão, ao transtorno bipolar, aos transtornos de ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e à ideação suicida", alerta ABP.

O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, especialista em dependência química e professor da Unifesp, confirmou os efeitos negativos do uso da cannabis ao elogiar a nota da ABP. Segundo ele, muitas evidências contrárias estão sendo comprovadas nos Estados Unidos, um dos primeiros países a legalizar a maconha.

"O lado terapêutico não tem evidências. Essa cultura em relação a maconha de que vai resolver uma infinidade de problemas médicos é fruto de uma cultura de usuários da maconha ou interesses de pessoas em vender o produto. Não há ensaio clínico em revistas boas e nenhuma grande instituição médica aprova o uso sério da maconha, exceto nos casos de crianças com convulsões", explicou Laranjeira.

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Diversos estudos confirmam os riscos do uso da maconha e seus derivados. Um deles, por exemplo, realizado em hospitais públicos de Portugal revelou que internações por surto psicótico ou esquizofrenia ligados à cannabis cresceram 30 vezes no país em um período recente de 15 anos. O levantamento foi publicado na revista científica International Journal of Methods in Psychiatric Research.

Anvisa já aprovou 18 produtos com derivados da maconha

Na Anvisa, a discussão desse tema começou oficialmente em 2015, quando a agência publicou uma resolução que passou a permitir, em caráter de excepcionalidade, que pessoas físicas, mediante prescrição médica, pudessem importar medicamentos à base de canabidiol, um dos componentes da planta. Em 2017, a agência regulamentou a produção do primeiro medicamento com derivado de maconha.

Em 2019, a agência liberou a importação dos extratos de canabidiol e THC para a fabricação de produtos em solo brasileiro. Na época, ela definiu que esses compostos seriam marcados com “tarja preta”, pelo risco de dependência, aumento de tolerância (a necessidade de ingerir quantidades cada vez maiores para ter o mínimo efeito desejado) e intoxicação.

Até o momento, já foram aprovados pela agência 18 produtos à base de cannabis. Eles não são considerados medicamentos (pela falta de evidência científicas consolidadas de eficácia) e precisam ser prescritos com receita amarela (índice de THC menor de 0,2%) ou azul (índice de THC maior de 0,2%, maior risco).

Já o Conselho Federal de Medicina autoriza o uso compassivo do CBD (canabidiol) apenas para crianças e adolescentes com epilepsia de difícil tratamento.

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Os produtos aprovados pela Anvisa são fiscalizados para que apresentem quantidades seguras de elementos como canabidiol e THC, que podem causar dependência, induzir psicoses, entre outros. Essa garantia é praticamente impossível na utilização da planta de forma caseira.

Interesses econômicos da indústria da maconha

Em uma reportagem publicada em agosto de 2021, a Gazeta do Povo mostrou o enorme interesse do mercado financeiro global na maconha. De acordo com uma análise da consultoria BDSA, publicada em março do ano passado, as vendas globais cresceram 48% em 2020, em comparação com 2019, e alcançaram US$ 21,3 bilhões. A perspectiva é chegar a 2026 em US$ 55,9 bilhões, uma taxa composta de crescimento anual da ordem de 17%.

O mercado nacional para o uso medicinal de canabidiol foi estimado em R$ 4,7 bilhões em 36 meses, resultado da comercialização de produtos, segundo a projeção realizada pela New Frontier Data, empresa de análise de dados da indústria de cannabis, para a aceleradora de startups The Green Hub.

No Congresso Nacional, o lobby da maconha tenta a todo custo aprovar o Projeto de Lei 399/2015, que libera o plantio, em determinadas circunstâncias, da cannabis sativa no Brasil e trata do uso medicinal de determinados componentes da planta de maconha. O projeto já foi aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados e aguarda agora, análise no Plenário da Casa.

Em um editorial publicado no ano passado, a Gazeta do Povo apontou os riscos por trás dessa iniciativa e a possibilidade de pessoas fazerem o uso recreativo da maconha sob o disfarce de uma prescrição médica. (Veja aqui)

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Justiça tem liberado o plantio para uso "medicinal"

Mesmo sem evidências científicas, o número de decisões judiciais favoráveis à plantação doméstica de maconha para uso medicinal tem crescido no Brasil, apesar dos riscos de dependência e intoxicação da planta consumida ou fumada. Influenciados pela campanha de desinformação de empresas interessadas na liberação da droga no Brasil, juízes têm liberado a prática sem considerar que é praticamente impossível extrair em casa o canabidiol e o THC (tetra-hidrocarbinol) – duas das mais de 1.700 substâncias químicas da cannabis – com a pureza e na quantidade segura para uso medicinal.

A decisão mais recente ocorreu em junho deste ano. A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STF) garantiu a três pessoas a possibilidade de cultivar a planta da maconha (cannabis sativa) com a finalidade de extrair óleo medicinal para uso próprio, sem sofrerem qualquer repressão por parte da polícia e do Judiciário. Esta e outras decisões contribuem para elevar a circulação de extratos clandestinos de canabidiol caseiro, muitos dos quais não funcionam e podem oferecer efeitos colaterais e nocivos para quem os consome.