As escolas não devem se acomodar nem se esconder atrás da justificativa da falta de preparo e capacitação para promover a inclusão de crianças com deficiência no ensino regular. A opinião é da coordenadora do grupo Aprendiz Down (mantido pela Associação Reviver Down), a fonoaudióloga Josiane Mayr Bibas.
A posição vem contra a tese defendida pelo professor universitário, psicólogo e pesquisador José Raimundo Facion. Em entrevista publicada na Gazeta do Povo, no domingo passado, Facion defendeu que a inclusão não pode ser feita a qualquer custo, sob pena de as escolas se transformarem em hospitais. Ele entende que ainda falta preparo dos professores para receber alunos com deficiência no ensino regular.
Para a fonoaudióloga, no entanto, a "falta de preparo" pode gerar uma acomodação das escolas e dificultar ainda mais o processo. "Gostaria é que as escolas não vissem a lei como uma obrigação, mas sim como um desafio, uma oportunidade para poderem aprender coisas novas", diz.
A observação surge com conhecimento de causa. Josiane lembra que há mais de 13 anos, quando surgiu a Associação Reviver Down, passou a receber crianças com Síndrome de Down. "Se eu simplesmente fechasse as portas para este paciente não aprenderia a trabalhar as especificidades desta deficiência", afirma.
Com o passar do tempo a fonoaudióloga se especializou no tratamento destas crianças e integrou a Associação Reviver Down, que mantém entre suas ações o grupo Aprendiz Down. O grupo tem 70 escolas regulares de Curitiba cadastradas que promovem a inclusão de crianças com este tipo de deficiência. Josiane concedeu entrevista à Gazeta do Povo sobre a inclusão escolar. Veja os principais trechos.
Por que não se pode dizer que falta preparo para as escolas promoverem a inclusão?As escolas já são muito reticentes em receber crianças com deficiência e agora podem achar que tem uma excelente desculpa. Só que hoje, depois de mais de dez anos, é culpa mesmo. O fato de não fazer nada para se preparar é péssimo para a escola. Não tem de esperar que o governo vá capacitar, isso não vai acontecer. Ou eu digo que não estou preparado e não recebo esta criança, ou eu recebo e vou me preparar, vou aprender.
Por que a inclusão é tão difícil?Não é fácil incluir de maneira geral. Todas as crianças são diferentes. Ensinar padronizado não funciona mais. É mais fácil depositar a dificuldade no fato de a criança ter alguma coisa que supostamente impede o aprendizado dela do que encarar a realidade. Muitas vezes, crianças sem deficiência dão mais problemas para o professor.
O preconceito ainda persiste?Na verdade, é um preconceito embutido. Eu nem chamaria de preconceito, mas de medo, de insegurança. Se a escola escolheu ensinar e ensinar a todos ela tem de se mexer para que isso aconteça. Eu não posso selecionar apenas as crianças que vão aprender bem. E isso implica em adaptação da professora, da escola e da própria criança. É um movimento saudável porque vai envolver todo o ambiente escolar.
A inclusão tem de ocorrer a qualquer custo?Não. Ela exige um preparo, mas é necessário a mobilização das escolas. É uma coisa que hoje não pega nem bem não estar preparado para a inclusão. A escola inclusiva trouxe para a população uma visão de diversidade e de responsabilidade social muito aflorada. A geração das pessoas com até 40 anos não conviveram com a diferença. Essas crianças que estão convivendo com a diferença estão aprendendo. Mas fazer uma inclusão mais ou menos não resolve.
Como reverter essa situação?É preciso trabalhar a formação dos professores e pedagogos nas universidades e trazer as escolas especiais para o lado de quem promove inclusão. As escolas especiais não podem ver as inclusivas como rivais. Elas podem ajudar a capacitar professores e ter crianças na escola desde pequenininhas, já preparando para que entrem no ensino regular. Se não for assim, realmente se perpetua a deficiência.
É possível promover a inclusão de pessoas com qualquer tipo de deficiência no ensino regular?Se isso for filosófico, sim. Se a inclusão for trabalhada com a família, desde quando a criança é pequena, e se junto com a escola especial, pensar na independência escolar desta criança, é possível que todas as crianças sejam incluídas nas classes regulares. Vai depender de uma mobilização maior ou menor de cada escola. O importante é que não ocorra de qualquer jeito.
Então a senhora não concorda que algumas escolas teriam de virar hospitais para promover a inclusão (como disse o professor Facion)?Absolutamente. É uma lei, deve ocorrer, mas continua a ser uma escolha. No caso de "alunos-pacientes", com dificuldades tão grandes, os próprios pais vão optar por um lugar onde tenha mais assistência. Mas estou me referindo a grau de severidade enorme. Não do autista, do paralisado cerebral, com movimentos catatônicos.