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Eleita deputada federal pelo Amapá nas eleições de 2022, a indígena Silvia Waiãpi (PL) promete fazer um mandato conservador e diferenciado em busca de mais fiscalização e desenvolvimento econômico nas aldeias indígenas. Com Sônia Guajajara (PSOL-SP), Célia Xakriabá (PSOL-MG) e Juliana Cardoso (PT-SP), ela vai fazer parte do grupo de mulheres indígenas na Câmara dos Deputados, mas suas pautas serão bem diferentes se comparadas às defendidas pelas parlamentares de esquerda.
Sílvia foi a primeira mulher indígena a entrar para o Exército Brasileiro e ocupou o cargo de secretária de Saúde Indígena no governo do presidente Jair Bolsonaro.
Natural da aldeia da etnia Wajãpi, no Amapá, Silvia foi adotada e registrada em Macapá quando era bem pequena. Kayne era seu nome de origem. A indígena se tornou mãe aos 13 anos, decidiu abandonar a aldeia e se mudar para o Rio de Janeiro, onde estudou e ingressou para o Exército. É formada em Fisioterapia pelo Centro Universitário Augusto Motta, em Política e Estratégia e em Liderança Estratégica pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME).
Em entrevista à Gazeta do Povo, a deputada eleita falou sobre as pautas conservadoras que irá defender na Câmara dos Deputados e as suas principais prioridades no mandato.
Como deverá ser a sua atuação na Câmara dos Deputados?
Sílvia Waiãpi: Posso dizer que sou uma deputada eleita que não faz nenhuma promessa política. Levantei uma pauta de conscientização sobre as atividades inerentes a um parlamentar na Câmara Federal, produzir leis em benefício do povo e para proteger o povo. O principal será fiscalizar o dinheiro público.
Fui secretária de saúde no governo Bolsonaro. Fiscalizava todos os finais de semana o atendimento de saúde de povos indígenas em casas de saúde. Isso incomodou muita gente, porque acabei mexendo com poderosos que utilizavam esses contratos na ponta na área da saúde pra desviar o dinheiro público. É óbvio que acabei sofrendo com isso, fui refém, sofri duas tentativas de assassinato. Percebi que muitas vezes as pessoas tinham atendimento precário por falta de fiscalização.
Em relação às pautas indígenas, quais serão prioridades?
Sílvia Waiãpi: Irei atuar na questão da autonomia econômica dos povos indígenas para que eles possam produzir em suas próprias terras, quero que eles sejam livres para produzir. Isso está sendo discutido por meio da PL 191/2020 (que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas). A gente precisa participar para deixar bem claro que não existe nenhum interesse de exploração de terras indígenas e subjugar povos indígenas, e sim dar a eles a oportunidade do crescimento econômico em suas próprias terras. Não adianta dar terras e não dar oportunidade, porque assim teremos uma população esquecida, ignorada, segregada no meio do mato sem qualquer capacidade econômica.
Tenho a percepção de que não podemos condenar mais os povos indígenas a viver em 1500 enquanto toda sociedade vive no século XXI. Eu estudei, consegui uma determinada posição de fala na sociedade que fez entender que as pessoas vão me subjugar e no ideal do imaginário delas eu sei que irão, porque foi ensinado de que índio para ser indígena tem que estar nu, tem que falar mal o português. Não falo isso como preconceito estrutural, mas como um ideal imaginário, e essa imagem poética muitas vezes me condena, sem que a sociedade entenda que estão me tirando o direito de ser tão bom quanto eles.
Outra questão: são as leis ambientais que são feitas na Câmara Federal, por representantes de outros estados que interferem como deve ser a vida no norte brasileiro. Os biomsa que temos no Sul, Sudeste ou Nordeste são completamente diferentes do bioma no Norte brasileiro. Essas leis condenam o povo do Norte à amarga e absoluta miséria. As pessoas não sabem o que é ficar dias e dias numa estrada não pavimentada. Lá as pessoas não plantam, não podem derrubar árvores e vivem de cesta básica. Elas vivem na mais absoluta miséria sem poder se desenvolver economicamente.
Trago o grito, a esperança e a reivindicação de desenvolvimento econômico dos povos do Norte. As pessoas não entendem o que é ver crianças e mulheres se prostituindo nas estradas, porque alguém decidiu que não podemos plantar arroz.
A senhora pretende trabalhar com outras indígenas eleitas ou diverge das pautas que elas defendem?
Sílvia Waiãpi: Três são mulheres que defendem as pautas da esquerda e eu sou a única que defende as pautas da direita conservadora. Dentro da minha pesquisa são duas de São Paulo e uma de Minas Gerais. E eu sou a única do norte brasileiro. A minha pauta principal é não segregar ou dividir povos, irei defender o povo do Norte e da Amazônia brasileira. O Amapá é historicamente o único estado, cujo povo lutou para inserir o seu território no Brasil, e trago comigo o espírito desses antepassados que lutaram para ser brasileiro.
Outra questão é que não abro mão da soberania nacional. A gente vê um cenário de propostas de Lula em fazer reservas multinacionais e isso é um dano à soberania nacional. Os países com os quais formamos fronteiras operam como a narcoguerrilha, e isso fere a soberania e expõem o nosso país à criminalidade. Por isso, não abro mão da soberania nacional. A Amazônia brasileira pertence ao Brasil e ao povo brasileiro, e não podemos permitir que países e ONGs interfiram no território brasileiro e no modo de vida do seu povo.
Quais serão as pautas conservadoras que irá defender no seu mandato?
Sílvia Waiãpi: Não só pretendo defender como irei propor propostas conservadoras. Recentemente, participei de um simpósio internacional de meio ambiente, onde um argentino e um francês atuavam em criar o direito da árvore. Hoje vemos um país atuando contra uma pessoa que derruba uma árvore, mas não defende uma criança no ventre da mãe. Sou contra a prática do aborto e a lei já é bem clara, e nós temos que defender essas crianças no ventre da mãe.
E outra pauta conservadora é a questão de gênero, o cidadão tem que ter consciência sobre si mesmo, mas acho que levar esse assunto pra dentro da sala de aula sem controle da família é colocar o estado acima da paternidade e da maternidade. Sou contra a ideologia de gênero e contra o ensino disso dentro da escola. Não sou contra homossexuais, acho que a vida sexual de alguém deve ser vivida entre as quatro paredes, e conforme os ritos criados por uma sociedade.
Há alguma bandeira especial que pretende defender no seu mandato?
Sílvia Waiãpi: Uma especial bandeira que trago comigo é um pedido de socorro de um pai que chora até hoje o assassinato e rapto da sua filha de 9 anos que ocorreu em um município do Amapá, cujo assassino, réu confesso, era menor de idade e foi solto logo em seguida, porque era menor de idade.
Tornar imprescritível crime sexuais praticados contra crianças será uma das minhas pautas principais. Sou uma parlamentar que fui estuprada na juventude. Não posso silenciar diante de tantos crimes contra crianças, mulheres e meninos que são violados.
A lei já existe, mas pretendo apoiar e levantar um Projeto de Lei, o PL 5102/2020, do deputado federal Guiga Peixoto (PSC/SP), que acaba com a prescrição para o crime de estupro de vulnerável, cometido contra menores de 14 anos ou pessoas que não possam oferecer resistência, em quaisquer circunstâncias. Vou tomar o projeto em respeito ao meu colega que não foi reeleito e às mulheres que cresceram com a dor e permaneceram em silêncio. Precisamos falar sobre esses crimes sexuais que destroem a vida de tantas pessoas.