Dados da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ) revelam que o número de acidentes com álcool líquido, muito utilizado para acender churrasqueiras, aumenta 20% no período de festas de fim de ano e férias. Entre os principais atingidos estão as crianças, vítimas da curiosidade e da desatenção dos pais. A estimativa da SBQ é de que anualmente 150 mil pessoas sofram queimaduras graves por acidentes com álcool líquido. Destas, 45 mil são crianças (30% do total de vítimas).
Só em dezembro, cinco crianças com queimaduras por álcool receberam atendimento no Hospital Evangélico (HE), referência no tratamento de queimados no Paraná. Em 2006, 38 crianças foram atendidas no HE, 29 do sexo masculino. Em setembro, por exemplo, de 20 crianças internadas por queimaduras, 12 eram vítimas de álcool líquido.
Um levantamento do pediatra José Eduardo Vianna, diretor da SBQ e integrante da equipe do departamento pediátrico de queimados do HE, mostra que o número de vítimas em 2006 corresponde a 14,37% dos internamentos na ala, segundo maior índice dos últimos cinco anos. O porcentual de acidentes só teve queda significativa em 2003, quando 8,2% dos pacientes internados na ala pediátrica de queimados do HE eram vítimas de álcool.
Em fevereiro de 2002, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução proibindo a venda de álcool líquido. Dessa forma, explica Vianna, os consumidores passaram a estocar o produto antes dele ser retirado do mercado, o que aumentou o número de acidentes naquele ano o porcentual de crianças queimadas por álcool líquido chegou a 14,8%. "Depois a população se conscientizou, o que gerou a queda em 2003", aponta Vianna.
A proibição foi derrubada por liminar da Justiça Federal seis meses após a publicação da resolução, permitindo à Associação Brasileira de Produtores e Envasadores de Álcool (Abraspea) a venda a estabelecimentos comerciais. "Houve uma queda de 60% no número de acidentes na época da liminar", afirma o médico especialista em queimaduras do HE Luiz Henrique Calomeno.
O perigo do etanol líquido se esconde na rápida evaporação, o que faz parecer que o produto tenha desaparecido. Entretanto, o vapor aumenta a combustão. "O álcool líquido é explosivo como uma bomba. O gel queima, mas não evapora ou explode", alerta Calomeno, que recomenda somente o uso do produto na forma de gel.
Uma explosão por vapor de álcool fez com que o garoto Lucas Francisco de Paula, 10 anos, desse entrada no HE na madrugada de 27 de outubro, com 40% do corpo atingido por queimaduras de terceiro grau. No momento da explosão, a mãe de Lucas, Luciana de Paula, 40 anos, encheu de álcool uma lata de sardinha onde colocaria a panela para esquentar a comida dos cinco filhos. "Sempre faço isso, porque um botijão de gás é muito caro. O álcool é uma alternativa barata", afirma Luciana. Mesmo tendo o cuidado de manter os filhos sempre longe do fogo quando cozinha dessa maneira, o vapor do álcool foi em direção a Lucas quando Luciana colocava mais álcool na lata, gerando a explosão que queimou o menino. "Não sabia que o vapor do álcool podia causar acidentes", lamenta Luciana.
Seqüelas
Além das seqüelas físicas o tratamento desse tipo de ferimento pode durar até um ano e deixar cicatrizes irreversíveis a queimadura mexe com o lado psicológico da vítima. A maioria precisa fazer cirurgias reparadoras e enxertos de pele. "É um processo muito doloroso, que deixa cicatrizes para a vida toda. Especialmente quando é na face, que é o cartão de apresentação na vida. Ter a face comprometida traz transtornos irreversíveis", afirma o pediatra Vianna. Outro problema é o constante combate a infecções. Com a camada protetora do corpo degenerada, o corpo fica mais suscetível a bactérias e fungos. "As complicações podem levar à morte, então precisam ser controladas o tempo todo, o que não é nem um pouco fácil", explica Vianna. O longo tempo de internamento de uma vítima resulta em custos altos, que variam entre R$ 1,2 mil e R$ 1,5 mil diários.
Em dois meses preso a uma cama de hospital, o menino Lucas já passou por dois enxertos de pele, além de curativos periódicos sob anestesia geral. O rosto já está cicatrizado, mas o peito e braços ainda estão envolvidos por faixas. A estimativa dos médicos é de que o tratamento de Lucas dure, pelo menos, mais um a dois meses. Enquanto se recupera, o menino tenta se divertir à sua forma, contando piadas para os médicos e enfermeiros para passar o tempo na ala pediátrica de queimados do hospital. "Tia, quantos elefantes cabem em um Fusca?", perguntou à reportagem, com um sorriso maroto.