Lúcia Kmiecik mora há 33 anos na Dom Pedro II: ela assumiu o museu da comunidade e a já tradicional “Festa da Batatinha”| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Cultura

Conheça mais histórias e costumes da colônia:

Origem

A colônia surgiu em 1876, com o nome Nova Polônia. A passagem do imperador dom Pedro II pela região, em 1880, levou à mudança do nome.

Agricultura

A região de Dom Pedro II foi zona batateira até a década de 1980. Mas as exigências do consumidor por vegetais lisos tiraram a colônia do mercado, o que reforçou o plantio de milho e de trigo. Hoje a região e monitorada por agrônomos e se rende à cultura da soja.

Costumes

O casario polonês já não é mais aquele, mas permanece o costume de cantar e rezar em polonês. Os velórios incluem três dias de reza do terço na casa do morto, depois do sepultamento. Os casamentos também consomem três dias – na sexta-feira há a reunião para preparar a festa, no sábado a cerimônia e a festa, no domingo o "repique", para consumir tudo o que foi preparado. Não é de estranhar alguém com uma "Biblija Swieta", a Bíblia, ou com um "katechizm", o catecismo.

Festa

O evento mais importante da Colônia Dom Pedro II é a Festa da Batatinha, marcada para o próximo 14 de julho. A primeira edição foi em 1962 e se chamava Festa da Batata. Teve um período de baixa. Em 1997 foi retomada como Festa da Batata e da Cultura Polonesa. Havia duas broas de centeio e três cuques para centenas de participantes que apareceram sem que se esperasse. Ao perceber a capacidade de atrair público, a comemoração se sofisticou. Nos últimos anos, deixou de ser feito o passeio de carroça: falta espaço perto do pavilhão por causa da quantidade de carros que ali estacionam. A média de visitação é de 4 mil pessoas.

Gastronomia

Ninguém acreditou quando, há nove anos, a contadora Célia Antochevis decidiu transformar a casa polaca da família num restaurante típico. Ela comprou a parte dos irmãos e transformou a área de seis alqueires no Nova Polska, um restaurante com atrações de lazer. O filho Luan, 24 anos, conta que a mãe teve de reinventar um pouco a culinária, reduzindo a pimenta. E chamar restauradores para recuperar as cores e as pinturas da casa. O resultado é a mais bela arquitetura polonesa da região. Célia mostrou que estava certa – a média é de 250 comensais por domingo. Morta no último sábado, vítima de um câncer, recebeu todos os terços e as honras por ter colocado D. Pedro II no mapa do turismo.

Museu

Uma antiga escola, construída em pinheiro, com encaixes, um modo típico da arquitetura polonesa, foi transformada no espaço cultural "Adão Rogiski". Não há uma museologia rígida. Os moradores doam utensílios domésticos, móveis, roupas e livros. Uma ficha diz o nome do doador e explica o objeto. Algo como "Talhadeira do Nelson Shepiura", "Nivelador do Estanislau Bilinoski", "Barrica de vinho do João Biernaski", "Máquina de costura (maszyna do szycia) da Ana Dybás". O ponto alto são as 33 fotos de noivas antigas, das famílias Mika, Gogola, Sikora, Gorski e outras.

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Moradores de Dom Pedro II transformaram antiga escola da colônia em espaço cultural. Numa das peças, reproduziu-se a sala de oração, típica dos polonesas, com muitas flores de papel. Os quadros sacros, alguns deles ícones, foram doados pelas famílias. Ao doar, cada um conta a história da peça
Lúcia Kmiecik, natural de Contenda, em Araucária, mora há 33 anos em Dom Pedro II. Ela assumiu o museu da comunidade e a já tradicional
Lúcia Kmiecik com as netas Sara e Helena, numa das casas típicas da região. A maioria das moradias tradicionais foi destruída, em especial nos períodos áureos da economia da batata
Sara, de 5 anos, com livro em polonês doado para o museu. Ela aprende as primeiras palavras com os avós
Sala do museu com as fotos das noivas de tempos antigos. Há retratos de mulheres da família Mika, Lucik, Gogola, Sikora, Lalik, Antochevis, Gorski e Biernaski. Moradores identificam interesse crescente dos jovens pelas tradições poloneses. Muitos casamentos de hoje ainda ganham festas de três dias
Vista geral a Colônia Dom Pedro II: 180 famílias, chácaras de em média 10 alqueires e parte das terras em Campo Magro, município vizinho a Campo Largo
O casal José e Rosa Ukasinski. Pais de cinco filhos, reiventaram as terras, contruindo área de lazer para a família. Piscina e churrasqueira ficam na área exata onde poloneses do passado criaram dezenas de filhos
O empresário Aleixo Kmiecik na farinheira erguida por seu pai, Francisco, em 1951. As ferramentas usadas no maquinário eram inventadas pelo próprio Francisco. Durante décadas a moagem era feita com a ajuda das águas do Riacho Verde. Seis empresas usam os préstimos do velho negócio de Aleixo. Ele mesmo faz a manutenção das antigas máquinas polonesas
Luan Marcel de Souza, dono do restaurante Nova Polska. Idealizado por sua mãe, Célia Antochevis, local se tornou ponto de encontro da população de Curitiba com um passado polonês que parecia existir apenas na memória das babkas (avós)
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Dias atrás, durante uma excursão de escolares à Colônia Dom Pedro II, em Campo Largo, Região Metropolitana de Curitiba (RMC), uma criança perguntou à moradora Lúcia Kmiecik, 52 anos, se o pessoal ali vivia como os índios. Lúcia – uma "polaca de Contenda, dos Patczyk", como gosta de se apresentar, eslava até a última porção de pierogi – caiu na gargalhada. Depois se aprumou. E respondeu: "Acho que sim – pensando bem, somos um pouco como os índios".

VÍDEO: Conheça um pouco mais sobre a Colônia Dom Pedro II

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SLIDESHOW: Veja algumas fotos da Colônia

A moradora da colônia – habitada por 180 famílias de origem polonesa – conta essa história tendo ao fundo um cenário típico, bem diferente dos bairros de sobradinhos ou de prédios altos. Dá para entender a pergunta inocente do visitante. Não só. Diferentemente de outros núcleos rurais da RMC, como Muricy ou Rebouças – a Dom Pedro II tem um "centrinho" ainda mais diminuto, que em muito lembra a estrutura das antigas vilas de imigrantes do século 19. Tem uma igreja, uma escola, uma venda, algumas poucas vivendas em volta. A maior parte das pessoas mora em chácaras de, em média, dez alqueires, distantes de três a cinco quilômetros uma da outra.

A Dom Pedro II é zona rural, ainda que fique a apenas 15 quilômetros da capital, o que tende a impressionar os visitantes, de qualquer idade. Um cruzeiro, logo na entrada, permite uma vista impressionante de Curitiba, o que pede fotos a granel e frases de espanto. "Como é que os moradores conseguiram não virar um bairro a mais?"

Está aí uma pergunta que não se furtam de responder, com sotaque carregado. Uma das hipóteses é a de que, por ironia, a colônia sobreviveu justamente por estar perto da capital e de Campo Largo. Por mais contraditório que pareça, os jovens saem dali para ir à faculdade e seus pais para irem às compras, com a mesma facilidade de quem mora no Atuba ou na Boa Vista.

Voltar para casa não implica o mal-estar comum a moradores das cidades muito pequenas: a sensação de estar privado dos avanços do século. Tablets, notebooks, TV a cabo, produtos do supermercado, nenhum desses quitutes modernos é estranho à turma que vive em Dom Pedro II. "Não saio dessa terra por nada", avisa Alessandra Alex, 21 anos, moradora na divisa com outra colônia, a Figueiredo. "A conexão é melhor aqui do que em outras bandas", diverte-se, sentada na sacada de uma casa polonesa secular.

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Caso a proximidade amigável com a cidade não sirva de argumento para justificar a sobrevivência de Dom Pedro II, os moradores têm outras respostas ensaiadas. A colônia é uma Área de Proteção Ambiental (APA), gasodutos, torres da Copel, conjunto que ajudou a afugentar aventureiros, que adorariam erguer condomínios fechados à beira da BR-277, vendendo janelas com vista para os pinheirais, ainda comuns na região. Os próprios herdeiros de terras encontram restrições legais na hora de fatiar sua herança para venda, costume que descaracterizou áreas tradicionais, a exemplo do curitibano Umbará.

Recanto sim, parque não

Resta uma dúvida: nada impede que a colônia se transforme logo-logo numa divisa de chácaras incrementadas, com todos os dissabores do gênero: som alto nos fins de semana, festas de arromba, muros, cachorros ferozes e, o pior, desprezo pela comunidade local, como já acontece em outros municípios. Viraria um recanto tão bonito quanto artificial, enfim.

Católicos praticantes – com encontro obrigatório na frente da Matriz de Nossa Senhora da Anunciação, aos domingos – os moradores só faltam se benzer diante dessa hipótese. Nessas horas, recorrem ao último e mais forte dos argumentos. "A turma daqui é unida. A gente não deixa a nossa amizade morrer. Esse é nosso segredo", conta o veterano José Ukasinski, 73 anos. "Quando um cachorro late avisando que tem estranho, os latidos vão se dando em cadeia. A gente se socorre", conta, sobre o sistema de segurança da colônia. Lúcia prefere uma versão mais divertida: "É que polaco é teimoso, por isso não vamos embora". Gargalha mais uma vez.

Há quem seja mais direto. O empresário Aleixo Kmiecik, 56 anos, marido de Lúcia, conta que não se faz de rogado diante dos "forasteiros", interessados em fazer da Dom Pedro II um recanto de fim de semana. Dono de uma farinheira à moda antiga, com 60 anos de funcionamento, e muito procurado por curiosos, lembra aos interessados que morar ali é viver com a turma da colônia. Dom Pedro II não é um parque temático polonês. E ponto. Se for para fazer de conta que não existem, melhor não virem. A fala de Aleixo traduz o estado de espírito dos "pedro-segundenses", protagonistas de uma espécie de "resistência natural".

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Como é próprio da zona rural, os moradores cuidam do local onde moram. Cometeram erros, como substituir a igreja antiga por uma nova, na década de 1980, e derrubar a maioria dos antigos casarões com lambrequim. Compensaram a barbeiragem criando um museu, com habitações de encaixe e em carvalho. O polonês falado em família ficou reduzido a poucas palavras, mas os mais velhos veem um súbito renascer de interesse da mocidade pela cultura polônica. Dom Pedro II se assume como colônia.

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Vida e Cidadania | 2:32

Reduto polonês procura adaptar-se à modernidade, mas evita tornar-se paraíso de chácaras e condomínios fechados. Região resiste com agricultura familiar e adesão paulatina à cultura da soja.

Colônia Dom Pedro II