A demografia do Paraná sofre uma drástica mutação a cada verão. Atrás de sol e praia, um quinto de seus 10 milhões de habitantes viajam todos os anos para o litoral, onde vive 3% da população do estado. Cidades como Guaratuba e Matinhos, por exemplo, têm a população multiplicada por 15 no período entre o Natal e o carnaval. Tamanho deslocamento de pessoas ajuda a economia local, mas acarreta alguns problemas de curto ou de médio prazos. Um dos efeitos tardios pode ser medido nove meses depois da temporada, nas maternidades.
A taxa de natalidade nessas cidades cresce em até 26% no nono mês que se sucede ao calendário festivo do litoral, principalmente entre adolescentes de 13 a 18 anos. Resultado de romances relâmpagos na temporada de verão, uma parcela significativa dessas crianças nasce e cresce sem o registro de paternidade. Muitas mães sequer sabem o verdadeiro nome do pai, e estes grande parte também adolescentes nunca saberão que tiveram um filho. Em meio a tanta gente, o encontro pode se dar uma única vez, na praia, em festas ou barzinhos.
Esse tipo de situação gera histórias como a de Samanta (nome fictício). Aos 27 anos, ela está grávida de um rapaz de Curitiba com quem teve um caso extra-conjugal. Ele chegou a Matinhos em novembro, atrás de um emprego de verão. Mãe de outras três crianças, hoje ela está separada do marido.
Visitantes
O Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e Casas Noturnas do Litoral estima em 2,2 milhões o número de visitantes a cada temporada de verão, que vai de novembro até o carnaval. A população flutuante é cinco vezes maior do que a fixa nos finais de semana e três vezes maior de segunda a sexta-feira. Só nas festas de fim de ano, 1,5 milhão de pessoas lotam as praias do Paraná, a maioria de Curitiba. Nesses dias, a população de Guaratuba salta de 35 mil habitantes para 600 mil e a de Matinhos, de 30 mil para 500 mil.
As estatísticas revelam em números o que os conselheiros tutelares e pessoas ligadas à área da saúde pública constatam no cotidiano: os romances de verão, sobretudo entre os jovens, são responsáveis por um grande número de crianças sem paternidade definida. Em Guaratuba, 27,5% dos 501 bebês nascidos no ano passado eram de mães com idade entre 13 e 19 anos. A maioria dos nascimentos ocorreu nove meses depois dos dois principais eventos anuais da cidade, a tradicional Festa do Divino, que acontece em julho, e o carnaval, em fevereiro.
A Santa Casa fez 54 partos em abril, 15 deles de mães adolescentes, e 53 em outubro, 16 entre jovens com menos de 19 anos. A taxa de natalidade nesses meses está bem acima (26%) da média de 42 partos no restante do ano (veja infográfico). As conseqüências seguem para além do parto. Das 504 crianças registradas em 2004 no cartório local, 11,30% (57) não tinham o nome do pai, média que subiu para 13,49% entre os 526 registros do ano passado (a diferença deve-se a registros tardios de nascimentos em anos anteriores).
Crianças com esse histórico geralmente são mais vulneráveis às situações de risco social, constata a comerciante Heloísa Gouveia. A experiência à frente do Conselho Tutelar (CT) de Guaratuba, cargo entregue na semana passada, revelou para ela a frieza dos números. "As estatísticas não mostram o que a gente vê no dia-a-dia, o drama das crianças que nunca vão saber quem é o pai porque a mãe teve uma aventura de verão", diz. O caminho é quase inevitável, lamenta Heloísa. Elas vão se tornar presas fáceis do tráfico de drogas e das redes de exploração sexual.
A ex-conselheira tutelar fala com a experiência de quem, há poucas semanas, ajudou a descobrir as orgias de um sexagenário com meninas e meninos de 11 a 14 anos, todos pobres, sem pai ou de família desestruturada.
"Infelizmente esse é só um dos exemplos." Para ela, não dá para dissociar as aventuras de verão das conseqüências sociais que ela trará no futuro. E isso se reflete também nas ruas de Matinhos. Ali, 25% dos partos realizados em 2005 foram em mães com idade entre 10 e 19 anos. Nessa faixa etária, setembro foi o mês com maior número de partos, 14 no total, seguido de novembro e dezembro, com 12 cada.
Pediatra há 26 anos, a secretária municipal de Saúde de Matinhos, Lúcia Sibut, já havia identificado os romances de verão como principal causa do aumento da taxa de natalidade no último trimestre do ano. Isso se deve, segundo ela, ao abrupto aumento populacional, que salta de 30 mil habitantes para algo em torno 500 mil. Isso abre infinitas possibilidades de relacionamentos relâmpagos entre as nativas e os turistas. A gravidez indesejada, observa Lúcia, é só um dos efeitos aparentes desses encontros que podem nunca mais se repetir.
A secretária aponta ainda os riscos das doenças sexualmente transmissíveis, o tráfico de drogas e a prostituição. "A situação é grave", diz, sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes na época de verão. A novidade na cidade é o aliciamento de meninos entre 13 e 15 anos para programas sexuais. Para combater o problema as secretarias municipais da Criança, da Saúde, do Esporte e do Planejamento vão se unir ao Conselho Tutelar e outras entidades ligadas à infância para tirá-los da prostituição.