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Direito

Negligência na sala de espera

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Pela lei, a idade avançada deve em­purrar o cidadão para o começo da fila, seja em bancos, supermercados ou postos de saúde, salas de espera ou setor de emergência de hospitais e prontos-socorros. O Estatuto do Idoso garante essa prioridade no atendimento para quem tem mais de 60 anos, em especial na área de saúde. Há cláusulas dedicadas a esse direito, na tentativa de garantir que o idoso não sofra enquanto aguarda atenção médica e tenha a saúde mais agravada por falta de medicamentos ou assistência especializada. Mas nem sempre é assim que acon­­tece. Familiares relatam dificuldades na hora de internar ou manter um paciente idoso no hospital, tanto no sistema público como em instituições conveniadas com planos de saúde.

A família de Jurema Weigert, de 86 anos, ficou assustada com a postura do corpo clínico de um hospital da região metropolitana de Curitiba, em janeiro deste ano. "Ela foi internada pelo SUS, inconsciente e respirando com ajuda de aparelhos. No dia seguinte, a enfermeira informou ao acompanhante que a paciente iria para casa e que os parentes poderiam procurar o hospital para pegar a documentação do óbito, caso acontecesse alguma coisa", conta Renata Canto Weigert, esposa do neto de Jurema. Indignados, os familiares só conseguiram reverter a alta quando procuraram a direção da instituição. "Eles informaram que é um procedimento padrão: o clínico passa pela manhã, liberando os pacientes, e o especialista revê os prontuários. Mudamos ela para uma enfermaria particular. Ela ficou internada mais quatro ou cinco dias, mas não resistiu."

Para o cirurgião vascular Jorge Timi, especialista em Direito Médico e professor da Unicuritiba, é a necessidade que justifica o internamento, e não a idade. "O paciente idoso tem a prioridade do atendimento em relação aos não idosos. Mas as necessidades do tratamento serão determinadas pelo médico, que vai avaliar o que é preciso fazer para ajudá-lo", explica. A discussão, para Timi, passa por questões bioéticas. Em 2006, o Conselho Federal de Medicina editou uma resolução sobre cuidados paliativos a pacientes terminais. A indicação é para não prolongar o sofrimento com procedimentos que não trarão vantagem ao paciente, evitando a distanásia (morte lenta, sofrida). Por outro lado, o médico é proibido de abreviar a vida, praticando a eutanásia (morte assistida de paciente enfermo incurável). "O objetivo é exercitar a ortotanásia, que é a morte natural, sem interferência da ciência, quando o tratamento médico se esgota e não há mais como recuperar o paciente. Ele recebe alimentação e é mantido confortável, até que a vida assuma seu curso", explica. A resolução, liberada pela Justiça Federal, foi bloqueada pelo Ministério Público Federal. Para afinar o trabalho do médico, o conselho precisa regulamentar os critérios para a triagem de pacientes que serão encaminhados para os cuidados paliativos ou para tratamento médico. "Nem sempre a família concorda com essa abordagem. Ninguém gosta de perder nada, nem ninguém. Mas o médico não consegue vencer a morte todo dia, até porque ela não é um inimigo a ser vencido. É um processo natural da vida. Por isso a questão deve ser abordada pela ótica da bioética", diz. A formação humanista dos profissionais envolvidos também vai garantir mais suporte à família, com as informações necessárias para ajudar a tomar as decisões. Quando não concordar com a proposta de tratamento do primeiro médico, a família tem todo o direito de procurar uma segunda opinião.

A informação é a chave para evitar mal-entendidos e acusações de negligência médica. "O ideal é que o idoso que apresenta uma enfermidade aguda, independentemente de quão longevo for, seja atendido de modo detalhado e abrangente, para que seja identificada a causa da descompensação de suas comorbidades. Avalia-se, então, se o paciente tem condições clínicas de ser submetido ao tratamento em casa, se sua família pode assumir os cuidados com a sua recuperação e se ambos desejam o tratamento domiciliar", explica o geriatra Rodolfo Pedrão, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, seccional do Paraná.O aumento da população idosa no país também pressiona a ponta de atendimento médico-hospitalar. É cada vez maior o número de pacientes portadores de comorbidades, doenças crônicas que interagem e são desafios para profissionais de saúde. Além de aumentar a demanda, os tratamentos médicos para manutenção da vida também têm custos elevados. "Os gastos com o paciente aumentam à medida que a morte se aproxima. Os custos no último mês podem chegar a 40% do que foi gasto no último ano de vida", aponta Pedrão.

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