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Intolerância

Neonazistas abrem linha de fogo

Mesmo com as prisões feitas em Curitiba, entre 2005 e 2008, grupos neonazistas na capital paranaense continuam atraindo novos simpatizantes, tornaram-se referência para adeptos do nazismo dentro e fora do Brasil, e já planejam a criação de divisões armadas, aptas a perseguir judeus, negros, homossexuais, comunistas e qualquer grupo ou indivíduo que se oponha à ideologia de ultradireita.

As primeiras vítimas desse esquadrão da morte, no entanto, foram dois simpatizantes do próprio movimento: Bernardo Dayrell Pedroso, de 24 anos, e Renata Waechter Ferreira, de 21. Ele, estudante de Direito em Minas Gerais. Ela, aluna do curso de Arquitetura na PUCPR. O casal foi encontrado morto, ao lado do carro da moça, na madrugada do dia 21 de abril, no km 6 da BR-116, no município de Quatro Barras.

O Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), que investiga o caso, já sabe que ambos participavam de uma festa em uma chácara em Campina Grande Sul, município vizinho a Quatro Barras. O evento, que reuniu cerca de 15 pessoas era, na verdade, uma celebração do aniversário do ditador alemão Adolf Hitler (20 de abril de 1889 - 30 de abril de 1945). O encontro foi marcado pela internet e reuniu skinheads neonazistas de Curitiba e de outros estados.

A reportagem da Gazeta do Povo ouviu duas pessoas que estiveram na chácara (uma delas pessoalmente e a outra por meio de um terceiro) e uma fonte ligada às investigações. Segundo os relatos, foi proibida a entrada na chácara com celulares e máquinas fotográficas. Os organizadores não queriam que fossem feitas imagens do local, decorado com bandeiras suásticas e pôsteres de Adolf Hitler. "Fora isso, era como uma comemoração normal, com churrasco e cerveja. Sem drogas, já que drogas não são bem vistas entre nós", diz um dos participantes da festa.

A comemoração foi iniciada com um discurso que teria sido feito por Bernardo Dayrell. A cada menção a Hitler, chamado de Fürher pelos participantes, as mãos eram levantadas, no tradicional cumprimento nazista. Dayrell teria organizado o encontro e discursado durante a maior parte do tempo. Tido como um "intelectual" dentro do grupo, o rapaz seria contrário às agressões praticadas contra gays e travestis em Curitiba. Para ele, esse tipo de ataque depunha contra o grupo e complicava a aceitação do movimento pela sociedade.

Em diversos fóruns e sites de nacional-socialistas e adeptos da supremacia da raça branca, Dayrell é descrito como um pensador, colaborador de publicações e revistas neonazistas.

A apuração da Gazeta do Povo mostra que, para o rapaz, o avanço da ideologia nazista em Curitiba e no Brasil se daria pelo convencimento da classe média com a publicação de fanzines, folhetos apócrifos, encartes em livros da biblioteca púbica e sites na internet. Em seu perfil no orkut, Dayrell cita poetas, filósofos e pensadores, a maioria deles sem relação com os pensamentos nazistas.

"Ele era muito inteligente. Escrevia muito bem e tinha um grande poder de persuasão. Foi esse carisma que atraiu a Renata," afirma um dos membros do grupo. Renata, por sua vez, tinha mais interesse por ocultismo e pelo esoterismo pagão, características dos grupos neonazistas, do que na ideologia política e racista. Amigos, colegas de sala e professores afirmam não ter percebido nenhum comportamento racista ou antissocial da garota. "Era uma menina quieta, sim, mas muito querida por todos e muito inteligente. Era inclusive bolsista da iniciação científica aqui da faculdade", explica Carlos Hardt, coordenador do curso de Arquitetura da PUC.

Dayrell, para os amigos e colegas de Renata da faculdade, permanecia sendo uma incógnita. "Eu o conhecia menos, porque ele morava em Belo Horizonte e vinha nos feriados. Parecia tranquilo como a Renata. Sobre as ideias dele eu não sei", comentou Ligia Drula, de 22 anos, amiga da estudante.

Disputa e traição

Na chácara, o discurso de Dayrell foi bem recebido pelos participantes. Os pontos de vista dele, porém, estavam longe de representar uma unanimidade em Curitiba. Uma outra corrente do movimento neonazista defenderia a imposição do grupo pela violência, como as agressões a homossexuais praticadas na capital há algumas semanas. Esse grupo, com ramificações em São Paulo, defenderia uma linha de frente neonazista, pronta a agir com armas de fogo e a matar, caso necessário. A divergência com a estratégia adotada por Dayrell teria chegado no limite. Para garantir o controle do movimento em Curitiba, decidiram eliminá-lo.

O crime seria cometido por duas pessoas, que haviam sido proibidas por Dayrell de entrarem na festa. A dupla planejava entrar no local e matar o casal dentro da chácara. Eles teriam mudado de ideia ao constatar a presença de amigos na festa.

Por isso, teriam optado por assassinar o rapaz do lado de fora. Um segundo casal que participava das comemorações foi incumbido de tirar Dayrell e Renata do local. Lá fora, dois indivíduos, identificados pelos codinomes Hans e Fritz, esperavam Dayrell com uma pistola nove milímetros. Não se sabe o motivo real que fez o casal sair da festa. Eles saíram da chácara em companhia de uma menina. O carro que eles ocupavam, um Uno branco, foi abalroado por um veículo vermelho. Pela posição dos corpos e pela ausência de sangue dentro do veículo, presume-se que Daurell tentou lutar contra os agressores, deixando Renata mais próxima do carro. O rapaz foi morto com um único disparo na cabeça. Renata levou um tiro na nuca e um na altura da perna. Em cima do capô do carro, foi encontrada uma latinha de cerveja. Dentro do veículo, 12 celulares de participantes da festa.

Na quinta-feira de manhã, um casal foi detido pelo Cope na Vila Isabel. Para a polícia, eles afirmaram que não sabiam da intenção do trio de matar os namorados. Ontem, dois policiais do Cope, em conjunto com a polícia especial de São Paulo (Garra) prenderam Ricardo Barollo, em São Paulo. O rapaz, cujo codinome no movimento skinhead é França, seria o mandante do crime. No apartamento dele, a polícia encontrou material neonazista, inclusive informações sobre a criação de um novo país.

França seria um dos principais mentores da criação de uma linha de frente armada dentro da organização skinhead.

Até o início da noite, a polícia ainda buscava por Hans e Fritz. Um deles, segundo informações dos responsáveis pelas investigações, seria soldado do exército.

No manhã deste sábado (1º), a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) informou, sem divulgar nomes e codinomes, que cinco pessoas foram presas além de França. De acordo com a Sesp, um total de 16 mandados de busca e apreensão foram cumpridos no Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – onde a arma do crime foi encontrada. Um vasto material de apologia ao nazismo foi encontrado e apreendido pelos policiais.

A polícia deve prestar mais esclarecimentos sobre o caso em entrevista coletiva, no início da tarde deste sábado, em Curitiba.

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