Um levantamento realizado pela Lupa, agência brasileira de checagem de informações, mostrou que o número de boletins de ocorrência registrados por estupro é 3,5 vezes maior do que o número de presos pelo crime. No caso do Paraná, a distância entre a denúncia e a punição é ainda maior: o estado figura na terceira posição no ranking de ocorrências, com média de 3,6 mil BOs registrados ao ano; e na quinta posição no ranking de prisões por esse crime, com média de 660 presos. Isso significa que os registros são mais de cinco vezes maiores do que o número de presos.
A agência utilizou dados de 2012, 2013 e 2014 disponibilizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e fornecidos pelos relatórios do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça e Cidadania. Nos três anos, foram registrados 148,9 mil boletins de ocorrência por estupro em delegacias de todo o país; já o número de presos por esse tipo de crime no mesmo período foi de 42,7 mil. No Paraná, nos três anos, foram 11.020 boletins registrados e 1.980 presos por estupro.
Vale observar, no entanto, que o levantamento considera todos os boletins de ocorrência registrados e não apenas aqueles que viraram denúncia-crime (ou seja, que geram uma ação judicial); do mesmo modo, os dados sobre presos por estupro não diferenciam réus já condenados de suspeitos presos temporária ou preventivamente.
A título de comparação, a Lupa apurou o índice de punição de casos de homicídios: no mesmo período foram feitos 146,7 mil registros de ocorrência por homicídio doloso (com intenção de matar) e 95,1 mil presos pelo crime. A proporção de assassinatos em relação às condenações é apenas 1,5 vezes maior.
Subnotificação
No Brasil, um estupro ocorre a cada 11 minutos, segundo o 9.º Anuário Brasileiro de Segurança. A estimativa é baseada nos mais de 47 mil casos denunciados por ano à polícia. No Paraná, conforme o Anuário, foram 3,9 mil denúncias, o que faz do estado o terceiro com maior número de ocorrências. Já Curitiba é a quinta capital com maior número de denúncias, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Manaus.
No entanto, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que esse número corresponde a apenas 10% do total de casos – contabilizados a partir da base de dados do Ministério da Saúde.
Dificuldade para denunciar
Especialistas consultados pela reportagem apontam uma conjugação de fatores que leva mulheres a silenciarem a violência que sofrem: elas não reconhecem certas atitudes como violadoras; as vítimas têm medo de serem culpabilizadas e a estrutura das delegacias é burocrática e sobrecarregada e, às vezes, o resultado prático da denúncia demora a aparecer – isso quando o registro de Boletim de Ocorrência não é rejeitado.
“Há uma naturalização dos atos de violência contra a mulher. É cultural e não se transforma um comportamento pela simples criação de uma lei. Embora haja um esforço para que o atendimento seja humanizado, nem sempre isso ocorre”, observa a defensora pública Camille da Costa. Ela avalia que a presença predominante de homens nesses ambientes também pode ser intimidadora.
São comuns os relatos de mulheres sobre o atendimento em delegacias. As reclamações mais comuns dizem respeito à falta de capacitação dos agentes e à culpabilização da vítima. Especialistas na área apontam que a precariedade do atendimento tem mais a ver com a sobrecarga e estrutura insuficiente do que com o protocolo em si. Ou seja, a Norma Técnica de Padronização das DEAMs (Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher) é adequada, o problema é executá-la plenamente.