Previsão é de estiagem por mais nove meses
A previsão dos institutos de meteorologia para os estados do Nordeste não é animadora e coloca os sertanejos em alerta. Os boletins mostram que a seca está apenas começando e deve se estender por mais nove meses. A expectativa é de que a estiagem tenha a mesma proporção das secas registradas em 1983 e 1998, que figuram entre as maiores do século passado.
De acordo com o pesquisador e responsável pela Divisão de Operações do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), José Antônio Aravéquia, a temperatura da água do Oceano Atlântico permaneceu mais baixa que o normal nos últimos meses, não favorecendo a evaporação e a concentração de umidade.
Patrimônio de toda uma vida perdido
O nome é pomposo: Riacho do Ouro. Mas o pequeno vilarejo localizado a cerca de 50 quilômetros de Floresta (Pernambuco) é só desolação. E seu Manoel Afonso dos Santos, 82 anos, é o retrato do estrago provocado pela seca: assiste à destruição do patrimônio que juntou ao longo de oito décadas de vida. Dos 40 bois que tinha no curral, 20 já morreram. Cinco cavalos também não suportaram a falta de pasto e a sede.
Ele afirma que essa é a seca mais dura que enfrentou na vida. No meio da semana, junto aos netos, acompanhava o lento padecer de Dourada (foto). A vaca não tinha forças para ficar de pé, nem mesmo para levantar a cabeça. A palma, uma cactácea que serve de alimento ao gado, já acabara. E seu Manoel tentava matar a fome dos bichos com o miolo de macambira, planta espinhenta.
Considerada a pior dos últimos 50 anos em alguns estados do Nordeste, a seca está provocando um confronto que só se imaginaria no futuro: a guerra pela água. Em Pernambuco, essa luta já começou com tiros, morte e exploração da miséria. Protestos desesperados são registrados não só lá, mas em várias regiões do Semiárido, onde a estiagem já se alastra por 1.100 municípios nordestinos.
Em Pernambuco, 66 municípios do Sertão e do Agreste estão em estado de emergência reconhecido. O quadro tende a se agravar, já que a temporada de chuva está encerrada e os conflitos aumentam. Em Bodocó, no início do mês, o agricultor João Batista Cardoso foi cobrar abastecimento regular na sede local da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e acabou morto. João Batista se desentendeu com o chefe do escritório da estatal, José Laércio Menezes Angelim, que disparou o tiro e hoje está foragido.
Outra face cruel para as vítimas da seca é a exploração: se no passado eram os coronéis que manipulavam currais eleitorais distribuindo água, hoje as denúncias recaem sobre "pipeiros", geralmente candidatos a vereador, e seus cabos eleitorais, donos dos caminhões de água. A situação está tão grave que o governo decidiu rastrear todos os carros-pipa que circulam na Caatinga. Na terça-feira, a Compesa começou a desencadear operações para conter também o furto da água. Prevista para durar três meses, as ações contam inclusive com helicóptero. Até a última quinta-feira, foram detectados 13 pontos suspeitos, com registro de desvio para campos irrigados. A água roubada do estado também abastecia reservatórios para carregar pipas.
"Os donos dos caminhões ganham por dois lados: recebem do governo e o voto do povo", reclamou Francisco da Silva, sindicalista da região. De acordo com o secretário estadual de Agricultura, Ranilson Ramos, há 800 pipas rodando a caatinga, custeados pelo estado para atender as famílias.
Perdas
No Piauí, 152 municípios do Semiárido, onde vivem 750 mil pessoas, estão sofrendo com a seca. No estado, um caminhão-pipa de até 15 mil litros de água não sai por menos de R$ 120 e as perdas das lavouras de milho, feijão e mandioca foram de 100%, contabilizou o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), Evandro Luz.
No estado, não há chuva forte desde julho. Por falta de alimentos, pequenos criadores estão soltando o gado para que os animais procurem água e pasto ou para que morram. "Vivemos a maior seca de nossa história", disse Wilson Martins, governador do Piauí, que em abril participou da reunião com a presidente Dilma Rousseff que liberou R$ 2,7 bilhões para minorar os efeitos da estiagem e anunciou a Bolsa Seca de R$ 400. Segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetap), os recursos ainda não chegaram.
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