José Franzak, 94 anos, é um dos 18 sobreviventes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que ainda estão vivos e moram em Curitiba. No Paraná, pouco mais de cem pracinhas ainda resistem. Aproximadamente dois mil paranaenses se despediram das famílias, em setembro de 1944, e empreenderam viagem até o outro lado do Oceano Atlântico. A data de 8 de maio marca os 70 anos de cessar fogo e do pedido de rendição da Alemanha, conhecido mundialmente como o “Dia da Vitória”.
Para Franzak, a comemoração em maio é dupla. O major reformado do Exército completará 95 anos no dia 14, seis dias depois do marco histórico . Ele era um dos nomes da extensa lista de 25 mil brasileiros que foram para a Itália lutar ao lado dos países Aliados contra as forças do exército alemão.”Fiz parte da história e sobrevivi”, constata, emocionado.
Em 1944, o segundo sargento do 2.º Regimento da Artilharia Montada só pensava em continuar na vida militar e casar com Maria Carlota. Dava expediente no quartel instalado em frente à Praça Oswaldo Cruz, onde atualmente funciona o Shopping Curitiba. Os rumos da história, no entanto, desviaram um pouco seus planos. A convocação para engrossar as fileiras de soldados para o além-mar fez com pegasse a bagagem e se despedisse dos pais, irmãos e da namorada. Partiu para uma “aventura” séria. “Foram 15 dias seguindo a mesma rotina até chegar ao porto de Nápoli, na Itália”, recorda-se.
As manobras militares e treinamentos eram feitos à noite por causa do blecaute imposto pelas normas de guerra. Durante o dia, os oito mil homens embarcados podiam respirar no convés. Franzak pertencia ao 11.º Regimento de Infantaria e Companhia de Obuses do 11.º RI de São João Del Rey (Minas Gerais). O jovem oficial integrou um grupo de 80 homens que saiu de Curitiba.“O clima era apavorante. Tinha muito submarino alemão nas águas internacionais. Fomos escoltados por caça-minas, helicópteros e destroyers. Eu estava com 24 anos, e o mais jovem tinha apenas 20.Não falávamos sobre o medo. E só vivíamos um dia após o outro”, relata o ex-combatente.
Frio e medo
No começo de outubro de 1944, Franzak lembra-se que, ao chegaram ao acampamento em Livorno, os ventos dos Alpes mostraram que não estavam preparados emocionalmente nem fisicamente para o que viria pela frente. Os tecidos finos dos uniformes de brim foram substituídos pelas roupas americanas, que eram mais quentes. “As tropas brasileiras não tinham nada. Recebemos galocha, japonas e armamento”. Com o olhar distante, ele conta que os brasileiros não ligavam muito para o medo. A brincadeira era separar os grupos entre os mais e menos apavorados.
Com o início dos combates, Franzak foi trabalhar lado a lado com o ex-expedicionário Ítalo Conti como observador avançado. Era o responsável por observar o inimigo no Monte Castello. Com as informações e coordenadas, a infantaria dos Aliados organizava-se e avançava. “Eu ficava deitado na crista do morro, escondido. Eram de 10 a 12 horas até sermos substituídos”, conta.
A segunda tarefa recebida foi mais complexa. Como calculador da Central de Tiros, precisa informar a temperatura da pólvora, a direção do vento e calcular tudo. Marcava em uma prancheta. Era aí que os canhões 105 faziam seu trabalho. “O zunido das balas corria solto”.
Combate
Depois de tomar Monte Castello, o grupamento foi progredindo. Chegaram a Montese. “Foi em Montese que vi o inimigo frente a frente”, conta ele, pensativo e emocionado. O pior momento, segundo ele, aconteceu quanto iam ocupar uma oposição de artilharia. Quando chegaram mais perto, muitos tiros foram disparados contra eles. “Eu quase morri. Ficávamos deitados no chão e os tiros arrebentavam ao nosso redor por mais de meia hora”. Franzak não segura as lágrimas e é tomado pela tristeza ao relembrar a história. Instantes depois, ri, pois se recorda que no seu grupo não ocorreu nenhuma morte.
“Foi aí que recebemos a notícia de que a guerra tinha acabado. Mas ninguém comemorou nada.” Ao se lembrar que 14 mil homens se renderam aos brasileiros, volta a chorar e a rir ao mesmo. “Vibrávamos por dentro. Nem lembramos naquela hora que poderíamos voltar para casa”.
Folgas
A cada 15 a 20 dias, alguns soldados recebiam folgas. Ficavam no acampamento ou, com muita sorte, recebiam a autorização para viajar. Franzak lembra-se de que ficou durante cinco dias na cidade de Roma. Eram os momentos de contato com o povo local. “Perguntavam se tínhamos café, cigarro e chocolate. A crise era muito rígida, mesmo sem Roma ter sido bombardeada. Em outra ocasião, fiquei quatro dias em Florenza”, rememora.
Guardados
Franzak havia enviado uma mala com 30 quilos para Curitiba, no bairro Portão. Foi parar no município rio-grandense de Portão. Perdeu as cinzas do Vesúvio, postais, uma arma Luger de origem alemã e outras tantas coisas das quais não se lembra mais. “Depois de 70 anos, os neurônios esquecem”, brinca.
Hoje, guarda com carinho a medalha de campanha e a medalha de guerra recebida, assim como um punhado de fotos. O nonagenário balança a cabeça e deixa as lágrimas cair a cada memória da guerra. “Não foi fácil. Quase morri em combate, mas estou aqui para contar a história.”
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