A professora Bernadete Menezes tem o perfil ideal para ser uma conselheira tutelar. Hoje ainda é, mas deixará de sê-lo – talvez para sempre – a partir do ano que vem. No magistério há 14 anos, dirige o maior colégio estadual de Oiapoque, no extremo-Norte do Amapá. Sua vida tem sido dedicada a ouvir, entender e aconselhar crianças e adolescentes.

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E cumpre bem a tarefa, ninguém contesta. Bernadete foi presidente do Conselho Tutelar local até setembro passado. Era a pessoa certa no lugar errado. Cansou de tanto descaso.

Descrever o conselho é como desfiar um rosário de problemas. Resumido a duas salas que juntas não somam 10 metros quadrados, funciona nos fundos da Igreja Católica. O aluguel de R$ 250 vive atrasado. Os conselheiros dependem mais da boa vontade do padre Patrício Brener do que da obrigação legal da administração municipal. Esse, porém, é o menor dos percalços. O único computador é obsoleto e sempre trava, não há telefone e o carro não fica 24 horas à disposição, como deveria. Nos plantões, busca-se socorro de Bernadete no Colégio Estadual Joaquim Nabuco.

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O espaço destinado a ouvir as vítimas de violência sexual, maus-tratos ou negligência é desumano, para dizer o mínimo. Um lugar escuro de dois metros por dois, úmido e sem ventilação. A única abertura é a porta que dá para a recepção. Nem cadeiras o Conselho tem. Precisa da colaboração dos outros, neste caso do grupo da terceira idade.

Os conselheiros só tiveram um único curso de capacitação, ainda assim graças à iniciativa do Ministério Público. Tudo isso ainda dá para superar com boa vontade, diz Bernadete. Mas os problemas não cessam.

"Há uma cobrança para a qual não tenho resposta", diz. Além de ingerência política na eleição de conselheiros, Bernadete queixa-se da falta de um abrigo municipal. Há em Oiapoque muitas crianças e adolescentes em situação de risco, mas falta lugar para acomodá-los. "Fazemos o atendimento, mas eles continuam nas mesmas condições, com famílias desestruturadas e sem apoio". Depois de bater em muitas portas, a professora conseguiu com um capitão do Exército a planta para um abrigo. Contudo, não há interesse da prefeitura na obra.

Oiapoque não é a única cidade das fronteiras da região Norte do Brasil a enfrentar problemas estruturais nos serviços de atendimento à criança e ao adolescente. Brasiléia e Epitaciolândia, cidades do Acre na fronteira com a Bolívia, sequer têm o Programa Sentinela e os conselhos tutelares estão pouco aparelhados. "Nem respeito de conselheiros nós temos", reclama Giovana Rocha da Cruz, de Brasiléia. Em Guajará-Mirim, a coordenadora do programa Sentinela, Angelita Malvieira Lima Esteves, tirou R$ 380 do próprio bolso para não ficar sem telefone.

Em Tabatinga, extremo-Oeste do Amazonas, os problemas de tráfico de drogas e exploração sexual de adolescentes se multiplicam por causa da fronteira seca com Letícia, na Colômbia. A deficiência maior é a falta de um abrigo, aponta o conselheiro tutelar Aírton Marinho. Contudo, muitas vezes a dificuldade não pode ser medida de forma tão prática. Numa cidade dominada pelo tráfico de drogas, a pedagoga e educadora do programa Sentinela, Cássia Cristina do Nascimento Áglio, tem medo de usar a camiseta de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes.

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Esta reportagem encerra a série "Infância no Limite", que retratou a exploração sexual comercial nas regiões de fronteira do país.

Veja a série completa – incluindo a primeira, sobre as fronteiras do Sul e Centro-Oeste, publicada em novembro de 2004 – nos links abaixo:

As Fronteiras

As Rotas da Exploração

Infância Escravizada

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Turismo Sexual

Reveja o "Infância no Limite - fronterias Sul e Centro Oeste"