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| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Apesar de o idioma oficial da Itália ser o italiano, há inúmeros dialetos que são falados no país. E não só lá: no Brasil, muitos imigrantes mantêm a ligação com o país dos antepassados falando até hoje os dialetos por aqui. Para conhecer mais sobre o talian, uma variante do dialeto vêneto, a professora e pesquisadora Giorgia Cavinato está em Colombo. Saiba porque ela tem tanto interesse no dialeto falado na Região Metropolitana de Curitiba.

A Itália tem uma língua oficial e inúmeros dialetos. Como o vêneto sobrevive ao tempo?

Na Itália, nós temos apenas uma língua oficial, que foi escolhida no final de 1800, no processo de Unificação Italiana. Em compensação, como éramos um país muito fragmentado, temos diversos dialetos espalhados pelo país. Alguns deles são reconhecidos hoje em dia em nível nacional, como o de Friuli, e outros somente em nível regional, ainda muito ligados à formação histórica. Na região do Vêneto, nordeste da Itália, ainda falamos o dialeto (vêneto), principalmente nas cidades pequenas. Meu pai, por exemplo, não fala nada do italiano oficial. É uma coisa muito típica da cultura italiana. Com a chegada da televisão, nos anos 50, o italiano oficial se difundiu. Mas a nossa língua de reconhecimento ainda é o vêneto. Também temos outra característica. O povo de Vêneto não se sente italiano, não temos os “valores italianos”. Nos sentimos pertencentes a Vêneto. Muitos dos imigrantes que vieram para o Brasil se “descobriram italianos” aqui.

Qual a diferença entre o vêneto e o talian?

O talian é uma variante dentro do vêneto. Como qualquer dialeto, o vêneto falado na Itália muda de cidade para cidade, por causa do sotaque, dos costumes, de sinônimos que diferem. A mesma coisa aconteceu aqui no Brasil com a imigração. O talian falado em Colombo tem muito a ver com o vêneto italiano, quase 100%. A diferença é maior no Rio Grande do Sul, que recebeu comunidades de outras regiões da Itália e a língua se “misturou” um pouco mais. Colombo tem o “vêneto puro”. As diferenças, lógico, também ocorreram pelo contato com o português-brasileiro. O brazilian, como chamam. Algumas palavras cresceram num contexto português, não num contexto italiano. Além disso, não existe um jeito certo ou errado, existem jeitos de expressar esse dialeto.

Quantas pessoas falam o vêneto/talian?

Mais ou menos dois milhões de ítalo-brasileiros em todo o mundo entendem e se comunicam nesse dialeto. O grande problema do nosso tempo é que vivemos a última geração das “nonas”. Elas têm 80 e poucos anos. E depois? Como vamos manter isso vivo?

O dialeto tem sido transmitido para as próximas gerações numa escala que o deixa latente?

Em Colombo, alguns descendentes passaram para frente os ensinamentos. Outros não. Muitos também se arrependem de não ter transmitido. Isso ocorreu por diversos motivos, mas o mais expressivo é: eles pensaram que os filhos poderiam ter problemas nas escolas ou no convívio social se não falassem o português.

Além disso, os descendentes sofreram muito no Estado Novo, de Getúlio Vargas, principalmente nos anos que antecederam e durante a Segunda Guerra Mundial. Você tem ouvido relatos nesse sentido?

Muitos. No Rio Grande do Sul ouvi relatos de pessoas que foram presas por falar o talian, ou tiveram que ficar escondidas por meses a fio. Em Colombo não. Uma das perguntas do meu questionário é: “Você já teve vergonha da sua língua?”. E as respostas são sempre: “Não, sempre tivemos muito orgulho”. Na Itália, o Mussolini chegou a proibir o vêneto. História de louco, os ditadores se apegam a coisas pequenas. Até porque a Itália nem tinha condições de ser forte no cenário mundial. No Brasil, acho que os rumos da língua teriam sido diferentes sem Getúlio Vargas. Mas o mais importante hoje em dia é que os descendentes saibam que nunca erraram por falar a língua de origem.

Desde 2014, o talian é considerado patrimônio cultural imaterial do Brasil. Isso ajuda na preservação dessa língua?

Vou dar um ponto de vista de fora, com um olhar de pesquisa. Vejo toda a situação como uma grande bagunça. As pessoas ainda não sabem qual talian escolher, por exemplo, para usar como patrimônio. Não sei nem se dá para fazer uma escolha. A lei é boa, mas o governo precisa demonstrar que está fazendo alguma coisa por essa cultura. Essa discussão é maior no Rio Grande do Sul, por causa do tamanho da comunidade. Qual talian será estudado? Como será estudado? A mesma briga acontece na Itália. Todas as formas são oficiais. Além disso, é uma briga política, não linguística. É justo o vêneto antigo ou o novo? O vêneto não é nem oficial no nosso país. Nós gostaríamos que ele fosse oficializado. Não existe uma grafia unificada. Isso dificulta a oficialização na Itália e também no Brasil.

Quantos pessoas falam o vêneto/talian especificamente em Colombo?

Os últimos dados são de 2008 e eles apontam de 20 a 30 mil descendentes na região, dos quais 5 mil dominam a língua. São 30 milhões de descendentes de imigrantes em todo o Brasil desde a primeira onda, no final do século 19. Entre eles, 12 milhões viram do Vêneto.

Quando começou o ciclo da imigração?

A data oficial é 26 de junho de 1875. O primeiro navio saiu de Gênova, que era a cidade do porto, com 380 famílias, principalmente de Vêneto e do Trentino. Elas chegaram no Espírito Santo. A primeira imigração durou até 1920. As famílias de Vêneto foram as primeiras a embarcar para o Brasil e depois chegaram as do Sul, mas elas saíram da Itália depois de 1910, quando parte das colônias já estava construída. Elas foram moldadas pelos povos do Vêneto. Os sulistas foram para São Paulo e se misturaram mais. A cultura do Vêneto em Colombo foi preservada por causa do isolamento. A língua se cristalizou por causa do isolamento. Aqui no Brasil, mesmo “rivais” de cidades vizinhas, com dialetos rivais, como Marostica e Bassano del Grappa, tiveram que se unir em função das dificuldades.

Isso dificultou, pela rivalidade, ou facilitou a mudança?

Ajudou. Eles estavam isolados, tiveram que se unir. Os italianos trouxeram para o país um sentido de comunidade. Principalmente pela fé, capacidade de trabalho e o sentido de família. São três elementos muito importantes da nossa cultura. Além disso, eles tiveram que se unir depois de muita enganação. As agências de navegação faziam propaganda enganosa. O Brasil era vendido como um tesouro. Os colonos, em sua maioria agricultores e semianalfabetos, acreditavam. Eles vendiam o pedacinho de terra que tinham por 300 liras (em 1927, 1 dólar equivalia a 19 liras) e 200 liras eram gastas somente na viagem. Eram viagens somente de ida. Meus livros têm esse subtítulo. “Viaggio di sola andata per la Mérica”.

Você vê seus livros como uma ponte dessa cultura. Como funcionou sua pesquisa?

Fiz a pesquisa com apoio de quatro universidades: Ca’ Foscari de Veneza (Itália), UFSC, UEL e UERJ. Resolvei fazer os livros para contar um pouco da história dessa imigração. Por que as pessoas saíram? Como foi a viagem? Por que o Brasil como destino? Meu projeto Cantando em Talian é uma ponte, serve aqui e lá. Na Itália porque os italianos não conhecem a imigração. O italiano médio acha que o Brasil termina no Rio de Janeiro, que aqui se fala espanhol, que tem índios, meninas e futebol. Isso é culpa das escolas, que não ensinam, e das agências de turismo. Até 1975, não tínhamos sequer uma página sobre isso nos cadernos escolares. Agora temos uma página, mas o processo não é explicado. Muitos italianos não acreditam que faz frio no Brasil, por exemplo. Com internet isso se torna um pouco injustificável. Mas é um processo cultural. O Brasil também recebe muitos estereótipos da Itália.

Quantos dialetos italianos circulam no país?

Todos os dialetos do Norte e também os trentinos e os de Friuli. Aqui em Colombo conheci uma pessoa do Friuli que vive sozinha. É um exemplo de língua que vai se extinguir na região. Ela não tem nem com quem conversar. Temos dialetos da Lombardia, do Bergamassi. Os dialetos do Sul são mais comuns em São Paulo e na Argentina. Buenos Aires ainda tem o Lunfardo, que mistura espanhol com sotaques de Nápoles.

Longe da sua pesquisa, existe uma cultura documental para esses dialetos? Os descendentes documentam ou é tudo muito oral?

Não, a língua oral. Ela chegou oralmente e permanece assim. Mas existem bons pesquisadores em todo o mundo documentando as línguas. Esse processo tem muito a ver com a sociologia e a antropologia. Nós, europeus, damos muita importância para o passado. É outra perspectiva.

Alguns imigrantes se arrependeram da mudança e tentaram voltar?

Os primeiros com certeza. Eu li cartas de imigrantes que escreveram para o governo implorando para voltar. Eles se comprometiam a assumir uma dívida pelo resto da vida para voltar. Eles escreviam para os prefeitos das cidades. Depois disso, os próprios prefeitos ordenaram que se pendurassem nas casas avisos com frases como “não vão para a América”.

Quem é Giorgia?

Professora de ensino superior, escritora, intérprete, tradutora, jornalista e autora de cinco livros. Morou em México, Cuba, Honduras, Venezuela, Peru, Chile, Paraguai e Argentina, Angola e Senegal, além do Brasil. É coordenadora da seção do Brasil da Associação da Regione Veneto “Veneti nel Mondo” na Itália.

Serviço

Encontro da comunidade vêneta e italiana de Curitiba com Giorgia Cavinato. Sábado, das 10h às 15h, na sede da Assessore Empresarial. Rua Jornalista Caio Machado, 678, Santa Quitéria.

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