O Brasil sempre se considerou um país privilegiado e pacífico, distante do perigo causado pelos desastres naturais e da violência gerada pelas guerras. A falta de preocupação com esse tipo de evento se reflete até mesmo nas ações do governo brasileiro. No Dia Mundial da Saúde, em 7 de abril, enquanto o mundo discutia como tornar os hospitais mais seguros em situações de emergência, tema proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde optou por divulgar uma pesquisa sobre a qualidade de vida dos brasileiros.
Infelizmente, os números e os últimos acontecimentos têm mostrado que as enchentes, as secas e os ciclones estão se tornando cada vez mais presentes em nossa realidade. Então, será que os hospitais do país estão de fato preparados para o atendimento a múltiplas vítimas de grandes catástrofes?
De acordo com uma reportagem publicada pela revista especializada Emergência, em julho de 2006, a maioria não está. Na época, 95% dos 5,8 mil municípios brasileiros não contavam com serviços de combate a incêndio, resgate ou pronto-socorro.
Apenas algumas capitais do país contam com redes de saúde capacitadas para atender tragédias e catástrofes em grande escala. No Rio de Janeiro, o Hospital do Câncer III, e em São Paulo, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, são exemplos de instituições que seguem as orientações da OMS (ver quadro). Além de executarem simulações do Plano de Atendimento a Múltiplas Vítimas, reformaram a sua estrutura física para se tornarem mais acessíveis. O hospital carioca realiza, inclusive, simulações de evacuação em caso de tiroteio, por estar próximo a uma favela sob comando do tráfico de drogas.
Realidade local
Para Irvando Carulla, superintendente de gestão de sistemas de saúde do governo do Paraná, o mais importante em casos de atendimento a desastres é ter uma rede hospitalar organizada, não só com hospitais de referência, mas também com centros de saúde menores, para o atendimento de casos de média e baixa complexidade. Ele garante que o estado está preparado não só para o atendimento a vítimas de desastre naturais, mas também para o caso de surtos infecciosos. "Desde a época da gripe aviária, estamos nos organizando. Quatro grandes hospitais contam com salas especiais de pressão negativa para o internamento de pacientes infectados: o Hospital de Clínicas e o Hospital do Trabalhador, em Curitiba, o Hospital Universitário de Londrina e o Hospital Ministro Costa Cavalcanti , em Foz do Iguaçu. É claro que, no caso de uma epidemia, eles não serão suficientes para atender a demanda, mas temos pelo menos um hospital de referência em cada regional de saúde do estado preparado para estes casos", explica
O diretor do sistema de urgência da prefeitura de Curitiba, Matheos Chomatas, lembra que o atendimento a múltiplas vítimas depende do trabalho em conjunto de várias entidades. Um hospital estar preparado não é o suficiente para garantir o sucesso de uma ação. É preciso acionar a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros e até a polícia, quando necessário. "Curitiba conta sim com um plano de emergência, mas o risco de uma catástrofe ou de uma epidemia é teórico e, por isso, ninguém está 100% pronto para agir. Se, por exemplo, houvesse um terremoto que fizesse desmoronar o edifício Asa, teríamos todas as condições de atender as vítimas. Agora, se caíssem outros três prédios, não teríamos a mesma capacidade. Dependendo do tamanho da catástrofe, seria necessária uma estrutura de plano nacional, com a participação do Exército e com a criação de hospitais volantes", exemplifica.
Para Chomatas, o maior problema é que, enquanto Curitiba conta com uma boa estrutura para cuidar de sua população, muitos municípios do interior do estado e da região metropolitana não. "Colombo é uma cidade de 200 mil habitantes que não tem um leito de UTI. Se um incidente grave ocorrer por lá, as vítimas terão de ser remanejadas para a capital. Outro exemplo: o helicóptero que a Secretaria Municipal da Saúde tem em parceria com a Polícia Rodoviária Federal realiza em média 60 atendimentos por mês. Destes, 90% ocorrem fora de Curitiba", explica.
Embora nem tudo possa ser planejado, o diretor acredita que uma das mais importantes medidas para impedir as tragédias é a prevenção. "Um rio só vai subir e transbordar se jogarem lixo nele. A dengue só vai se espalhar se não eliminarmos todos os focos de água parada. Muitas pessoas deixarão de ficar doentes se tiverem acesso a água tratada e saneamento básico."
Controvérsia
Na opinião do médico Rached Hajar Traya, chefe do pronto-socorro do Hospital do Trabalhador e membro da Sociedade Pan-Americana de Trauma, a realidade está muito distante do discurso. Ele explica que os três maiores hospitais da cidade que fazem atendimento ao trauma Cajuru, Evangélico e Trabalhador estão trabalhando no limite de sua capacidade porque a maioria dos atendimentos que realizam são feitos pelo SUS. "Se em um fim de semana, quando aumenta o número de acidentes, já é difícil encontrar atendimento, imagine se acontecer um evento de proporções maiores? Se um prédio desmorona, por exemplo, nem todas as vítimas são graves e por isso, podem ser atendidos em outros hospitais e até mesmo em clínicas e postos de saúde. Mesmo assim, teríamos dificuldade de atender a todos, porque a maioria dos hospitais estão à beira de um colapso", alerta.
Para o médico, no Brasil não existe uma cultura de prevenção, diferentemente dos Estados Unidos e de Israel, países acostumados a guerras, atentados e desastres. "Mas, se você comparar os números, só em Curitiba, durante um fim de semana, há mais mortes no trânsito do que em um atentado em Jerusalém. É preciso haver uma mudança de mentalidade".