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Maria Aparecida Fernandes, 73 anos, tinha quatro filhos e morava num barraco da Vila Guaíra quando, em 1966, foi abordada por uma assistente social, subiu no caminhão e se mudou para a distante Vila Nossa Senhora da Luz. "Minha vida era triste. A casa mudou tudo", diz a ex-doméstica. Sua vizinha, Júlia Patachi, 74 anos, chegou depois, em 1969. Assustou-se com o barro, já que o pasto que protegia o solo foi capinado pelos primeiros moradores. "Eu levava um calçado comigo para ir à cidade."

Ir à cidade era sinônimo de tomar o trem das 5h30 na Estação Ferroviária Barigüi – e muitas vezes saltar no vagão, com a cara e a coragem. "Matei muita barata quando cheguei aqui. Anos depois, ao receber a chave, chorei de alegria. A casa era barata também", diverte-se Júlia. Os moradores se acotovelam para narrar suas peripécias de desbravadores.

O comerciante Nei Ganem, 62 anos, lembra de ter de ir telefonar na Vila São Jorge. Mas sobreviveu, é dono de seis casas na vila e formou dois filhos na faculdade. "São maloqueiros com diploma", brinca. O radialista Miguel Jorge lembra da falta de ônibus. O 320 da Redentor passava três vezes por dia. Mas tinha o futebol. Conversar com moradores da Nossa Senhora da Luz é ver a incontáveis álbuns de campeonatos e ficar sabendo de quem foi para os EUA, quem tem emprego, quem sumiu do mapa e que um ou outro "foi para o crime".

O metalúrgico Marco Antônio da Silva diz que a equação era simples. Quem ia para a sinuca e o bar "do Librino" não ia para a escola – o "Grupão" ou o Alberto Schweitzer – e vice-versa. A trabalheira era desviar das gangues de bairro, o que exigia longos desvios pelas 12 praças. O consolo era ver Luz Del Fuego nua e Mazaropi no Cinema São Cristóvão, logo ali. A fama de lugar violento, em tempos idos, não passava de briga de garoto do lado Norte, mais abonados, com os do Sul, mais castigados. Quem não tinha moleques no caminho do colégio tinha escorpiões. Tantos que a saúde pública e a Secretaria de Estado da Agricultura baixaram lá para conter o pânico da população, nos idos de 60, como lembra a enfermeira Leonir dos Santos, 72 anos, hoje líder da terceira idade. "É passado", diz a mulher que, com a nora Elenita, estende roupas num varal plantado na calçada. "Não tem mais bicho. E nunca sumiu uma peça", festeja.

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