Parece um reality show, mas é pura ciência. Desde o dia 3 de junho de 2010, seis astronautas três russos, um francês, um chinês e um italiano estão confinados em uma cápsula, hermeticamente fechada, que simula as condições de vida em uma nave espacial. No dia 5 de novembro, ela será aberta, encerrando uma viagem virtual de ida e volta ao planeta Marte. Observado por cientistas 24 horas ao dia, o grupo está a menos de um mês de completar a sua missão: passar 520 dias sem contato externo e em uma estação de apenas 550 m3, distribuídos em cinco módulos (quatro habitáveis e um "externo"), que imita a superfície do Planeta Vermelho. Detalhe: a cápsula localiza-se em um laboratório em Moscou, na Rússia.
O projeto, uma cooperação entre a Agência Espacial Europeia (ESA) e o Instituto Russo de Problemas Biomédicos, bateu o recorde de tempo de confinamento. Batizada de Mars 500 (www.esa.int/mars500), a iniciativa tem como objetivo analisar os efeitos físicos e psicológicos de uma viagem espacial de longa duração em seres humanos. Além disso, testam-se tecnologias e experimentos científicos a bordo.
Lições
"Além dos resultados dessas diferentes experiências (mais de cem no total), que serão divulgados mais adiante, estamos aprendendo lições importantes. O modo de comunicação entre o controle de terra e a equipe, por exemplo, é delicado, especialmente quando há delay [atraso de sinal de rádio]", explica Patrik Sundblad, médico do Centro de Pesquisa e Tecnologia da ESA, que conversou por e-mail com a Gazeta do Povo. Os "marsonautas", como são chamados, comunicam-se via rádio e também acessam a internet. Porém, um atraso no sinal é inserido propositalmente para simular as condições reais de comunicação no espaço sideral. O delay diminui conforme a "nave" se aproxima da "Terra".
Além de servir de laboratório, a cápsula tem itens de conforto e até videogame a bordo. Por outro lado, a água e a comida precisam ser racionadas, como em uma missão real. De acordo com Sundblad, em relação ao comportamento dos astronautas, os períodos psicologicamente mais difíceis são aqueles em que as atividades diminuem. "No geral, eles estão bem. Conseguem sentir que o fim da missão se aproxima", revela.
A bordo, os tripulantes afastam a monotonia fazendo atividades programadas e de lazer. "Meu método é bem simples: mantenho-me ocupado", disse o astronauta Romain Charles, ao responder uma pergunta do público. "Além do trabalho, planejo outras coisas, como revisar minhas lições de física, estudar o idioma russo e tocar guitarra", completou. Outro detalhe, segundo Charles, é que o grupo raramente conversa sobre voltar para casa. "Apenas focamos na semana que virá."
Desafios tecnológicos ainda precisam ser superados
De acordo com Patrik Sundblad, da Agência Espacial Europeia, o ser humano ainda não está preparado para uma missão tripulada à Marte. "Existem diversos desafios tecnológicos que precisam ser superados, primeiramente em relação a manter a saúde e o desempenho das equipes. Colocar um jipe em solo marciano já foi feito, obviamente. A parte complexa começa quando você tem que levar um ser humano junto. E ainda tem o retorno para a Terra, que, aliás, nunca foi feito nem em missões com robôs", ressalta.
Em relação à equipe do Mars 500, Sundblad diz que a missão não acaba com a abertura da escotilha no próximo dia 5. "Ainda há uma série de atividades planejadas relacionadas ao programa científico, interesses da mídia e check-ups médicos, ao mesmo tempo em que o grupo tentará retornar à vida normal", diz o especialista.
Problemas
Segundo Sundblad, poucos problemas ocorreram até agora na "viagem" a Marte. "Esperávamos um bocado deles, especialmente dados os desafios de um estudo desse tipo. Algumas dificuldades ocorreram, outras não. O segredo é manter um bom contato com a equipe, apesar dos contratempos", conclui.