Maria da Penha vem a Curitiba na quarta-feira
A criação da Lei Maria da Penha é fruto de pressão internacional por conta de um caso de violência doméstica denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA). Em 1983, Maria da Penha Fernandes sofreu uma tentativa de homicídio que a deixou paraplégica. A agressão foi feita pelo marido. O caso se arrastou por 15 anos na Justiça, sendo denunciado à Comissão por violação dos direitos humanos e de tolerância do Estado brasileiro com a violência cometida contra as mulheres. Ela determinou a solução rápida do caso e regras bem definidas para coibir situações semelhantes no país.
Para contar parte da sua história e reforçar a luta contra a violência doméstica, Maria da Penha vem a Curitiba no próximo dia 7. Ela estará às 10 horas na Câmara Municipal.
Pelo menos 20 homens estão presos em Curitiba em razão da Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em setembro do ano passado e estabeleceu penas mais rígidas para quem comete violência doméstica. Até então, homem que batia em mulher podia pagar por seu delito com cestas básicas ou multas, agora vetadas. O efeito da nova lei também tem reflexo no Juizado da Violência Doméstica e Familiar de Curitiba, que abriu as portas em 23 de janeiro. Desde então, acumulou cerca de 300 procedimentos (inquéritos, medidas de proteção para evitar riscos e processos criminais), mais de 11 por dia útil de funcionamento. O ritmo de trabalho é mesmo intenso. Esta semana ocorrerão mais de 150 audiências, inclusive em 8 de março, Dia Internacional da Mulher.
O grande volume mostra que violência doméstica vai além das brigas conjugais. A Lei Maria da Penha não pune apenas o "machão de cozinha", mas qualquer ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial. Assim é possível processar, por exemplo, a patroa que retém objetos da doméstica, o marido que obriga a mulher a manter relações sexuais, o ex-marido que tortura psicologicamente a ex-mulher e a homossexual que bate na companheira.
Os crimes estão previstos no Código Penal (o marido pode ser processado por estuprar a esposa, por exemplo) e nas leis especiais. No entanto, não se pode falar em juizado especial criminal quando o assunto é violência doméstica, mesmo nos crimes de menor potencial ofensivo (com penas até dois anos). Isso significa mais rigor na aplicação da lei, fim da sensação de impunidade e mais rapidez para conceder algumas medidas de urgência, como a separação de corpos. A lei prevê ainda que o agressor seja submetido a tratamentos diversos contra a dependência de drogas, por exemplo.
Segundo a juíza Luciane Bortoleto, 34 anos, titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar, a Lei Maria da Penha vai deslocar para sua instituição cerca de 30% do volume de trabalho dos juizados especiais criminais de Curitiba. O "fórum" da Violência Doméstica é na verdade a 13.ª Vara Criminal de Curitiba, um misto de vara cível e criminal. Isso dá poderes à juíza para decretar prisões preventivas, busca e apreensão de armas, e também para bloquear a venda de bens e movimentações bancárias ou decidir pela separação de corpos quando se tornar insuportável a convivência do casal sob o mesmo teto.
Ciclos
O número de registros policiais e ações penais poderá ser bem maior do que o atual no momento em que as mulheres romperem com o chamado ciclo de violência. Muitas vezes, a dependência econômica, o medo de expor a família e outras barreiras culturais são fatores que inibem as denúncias do delito. "Tive casos de mulheres que pediram para soltar o marido, por causa das contas, da pensão alimentícia. Expliquei que a situação era grave, que há programas sociais, como o Bolsa Família", diz Luciane. "A mulher não pode ser condescendente com as agressões."
Conforme especialistas, o ciclo de violência doméstica tem três fases. São elas: a construção de tensão (crises de ciúme, ameaças, controle de liberdade), a explosão da violência (agressões) e a lua-de-mel (remorso e juras de amor até o problema recomeçar). Segundo a psicóloga Samira Rodrigues Alves, da comissão de direitos humanos do Conselho Regional de Psicologia, "a cultura machista" é a principal causa do problema, encontrado em todas as classes sociais, mas que aparece com mais força nos setores mais empobrecidos.
No Brasil, esse comportamento associado a ciúmes, drogas, entre outros ingredientes chega a pontos extremos. Por ciúmes, o jornalista Pimenta Neves matou a também jornalista e sua namorada Sandra Gomide há cerca de sete anos, num haras, no interior de São Paulo. Em casos parecidos com esse e em que o problema possa ser antecipado, ao primeiro sinal de ameaças a lei Maria da Penha prevê uma ação de equipe multidisciplinar, formada por assistentes sociais, psicólogos, advogados e outros profissionais, além da intervenção pontual da polícia, do Ministério Público e da Justiça. Em Curitiba, o serviço de ajuda é feito há um ano pelo Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência uma parceria da União, estado, município e sociedade civil. Ele tem mecanismos para resguardar a vítima em potencial e, se necessário, colocar mulheres em abrigos.
O centro conseguiu nos seus primeiros oito meses traçar o perfil das vítimas de violência doméstica na capital (idade, escolaridade e outros dados). A estatística confirma que mulheres bem formadas estão no rol de vítimas: 43% cursaram do ensino médio ao superior, das quais 9% têm diploma universitário.
Segundo a desembargadora Rosana Fachin, a ajuda do centro de referência e atendimento à mulher é essencial para aplicar a lei. Ela explica que o Tribunal de Justiça não tem em seus quadros psicólogos e assistentes sociais necessários para aplicar as novas regras. "Precisamos da ajuda da sociedade civil, órgãos públicos e da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Hoje o Centro de Referência da Mulher ligado à Secretaria da Mulher do Governo Lula, está nos fornecendo pessoal", afirmou Rosana Fachin.
Serviço: Mais informações sobre o assunto no Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência, pelo telefone (41) 3338-1832.
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