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Curitiba – O projeto de lei que aumenta a licença maternidade de quatro para seis meses está prestes a ser analisado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado. A proposta da senadora Patrícia Saboya (PSB-CE) não pretende alterar a Constituição brasileira, que assegura desde 1988 os 120 dias de afastamento do trabalho para a mãe cuidar do recém-nascido, mas sim oferecer uma alternativa ao empregador. O projeto tem caráter voluntário e é voltado às trabalhadoras de empresas que estejam dispostas a trocar os dois meses excedentes de licença atual – relativos ao tempo a mais em que a empregada ficará afastada – por incentivo fiscal.

A senadora, que concedeu entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, defende que os seis primeiros meses de vida de uma criança são fundamentais para seu desenvolvimento psicológico e emocional. Ela se baseia em dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que mostram que é nessa fase que se completa o crescimento do cérebro do ser humano, além da definição da sua personalidade.

Do Senado, o projeto segue para a Câmara, onde passará por outras comissões temáticas para ser votado no plenário e depois ir para sanção do presidente da República. Veja a seguir os principais trechos da entrevista.

Quais são os principais benefícios do seu projeto?Em primeiro lugar é a garantia dos direitos dos nossos filhos, das próximas gerações. Indiretamente, é o direito da mulher estar ao lado dos filhos sabendo que esses seis primeiros meses de vida serão determinantes para a criança. Sabendo que o desenvolvimento físico, intelectual, emocional dessa criança vai depender dos estímulos que ela receber principalmente nesse período. Isso, para mim, já é motivo suficiente para que essa licença seja estabelecida. Como diz o próprio ministro da Saúde, o caso da ampliação da licença maternidade para seis meses é um caso de saúde pública.

Quais as vantagens para o governo?Diminuiríamos muito as internações de crianças com menos de 1 ano de idade, porque o fortalecimento do vínculo afetivo e o aleitamento materno são dois fatores decisivos para evitar muitas doenças. Posso dar como exemplo o levantamento que revela que o SUS hoje gasta em torno de R$ 300 milhões por ano só em internação de crianças com doenças respiratórias. Se todas as micro, pequenas, médias e grandes empresas brasileiras aderissem ao projeto, o Estado brasileiro teria de investir R$ 500 milhões em incentivos fiscais. Eu falo investir porque considero isso um investimento e não um gasto. Além disso, o Unicef tem um relatório que mostra que, se as crianças brasileiras pudessem ser amamentadas até os 9 meses, isso reduziria em 10% a mortalidade infantil em nosso país, o que reduziria em mais de 50% a mortalidade infantil em um curtíssimo espaço de tempo. Nesses seis primeiros meses de vida, quanto mais estímulo a criança receber de contato físico, a voz, o aconchego, o calor humano, tudo isso vai representar uma boa saúde no futuro. Diminuir doenças alérgicas, cardíacas, a obesidade. Doenças que matam.

A licença-paternidade hoje é de apenas 5 dias. Há alguma previsão de aumento no tempo de afastamento do trabalho para os pais?O projeto também prevê um mês de licença paternidade para os homens. Essa é a maior reivindicação das entidades que representam as mulheres porque é o momento em que elas precisam do apoio do homem. Como agora é o momento de criar uma nova cultura no país da repartição das tarefas com a criança quando ela nasce entre homem e mulher. É o início de uma discussão. Por isso que o projeto não trata do tema como emenda à Constituição que estabelece para todas as mulheres, mas sim para a iniciativa privada. Nossa intenção é primeiramente introduzir uma nova cultura. Queremos cultivar esse debate no país. Eu não queria simplesmente fazer uma emenda, que é muito mais difícil de ser aprovada e que iria criar uma resistência muito grande de segmentos da sociedade com alguns discursos de que isso dificulta o acesso da mulher ao mercado de trabalho. Esse é o mesmo discurso que nós ouvimos em 1988, na época em que a licença passou a ser de quatro meses.

Caso o projeto não sofra alterações e seja aprovado pela Câmara, em quanto tempo a nova lei deve entrar em vigor?Nós acreditamos votar a lei no Senado em setembro, mas é difícil fazer uma previsão de quanto tempo ela vai permanecer na Câmara. Vai depender da prioridade de ela entrar em pauta. Mas pretendemos acionar a Frente Parlamentar dos Direitos da Criança e do Adolescente, da qual sou coordenadora no Senado, e propor isso como uma reivindicação da frente para que o projeto entre logo em regime de urgência. Eu acredito que isso vai facilitar o trâmite, mas a previsão é muito complicada de se ter.

Então, pode levar anos?Não. Eu não espero que tanto não. Eu vou me empenhar muito para isso. Vou usar a bancada do meu estado. Vou me esforçar para aprovar esse projeto porque acho que esse interesse não é só meu. Aliás, o projeto não é meu. O projeto foi feito e entregue nas minhas mãos pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Hoje nós já temos mais de 400 mil assinaturas recolhidas no Brasil todo pela OAB e pela Sociedade Brasileira de Pediatria em favor da proposta. Quer dizer que é um movimento muito mais da sociedade do que um movimento de um parlamentar. Há uma contradição muito grande. O governo brasileiro faz propaganda na televisão, a Organização da Saúde estimula a mulher a amamentar até o seis meses de idade, mas, na verdade, a legislação só permite quatro meses. É uma incoerência.

Mas isso cria mais chances de o preconceito em relação à contratação de mulheres crescer?Eu acho que não. E nós tomamos muito cuidado com esse discurso. Porque, na verdade, eu acredito que é o mesmo discurso que nós mulheres vivenciamos em 1988, quando tivemos um direito nosso assegurado na Constituinte, que são os quatro meses de licença maternidade. Portanto nós estamos preparados para isso. Tanto é que o projeto é autorizativo. Quer dizer: criar uma nova cultura de responsabilidade social das empresas. Até porque algumas delas no Brasil já utilizam a licença maternidade mais prolongada sem nenhum tipo de incentivo fiscal.

Como o público-alvo, ou seja, as empresas brasileiras, tem se manifestado em relação à proposta?Nós já levamos para audiências públicas alguns exemplos de empresas que conseguiram se recuperar da falência porque adotaram uma nova forma de gestão, levando em conta as diferenças de gênero, a questão da criança, a questão dos deficientes físicos. É uma nova forma, uma nova cultura empresarial. Tanto é que as empresas que participaram das audiências não levantaram motivações contra o projeto. Eu chamei a Fiesp, a Confederação Nacional do Comércio, a Fundação Abrinq. A Nestlé, por exemplo, que é a maior interessada em vender o leite em pó, declarou sua adesão ao projeto em uma audiência pública. A proposta já está pronta para ser votada há muito tempo, mas eu insisti que precisavávamos debater com a sociedade. Isso não deve ser uma briga, mas uma conquista de uma mudança de uma cultura que respeite as mulheres. Nós somos 52% da população, os outros 48% são nossos filhos. Está na hora de se enxergar e respeitar isso.

O desemprego e a informalidade no Brasil podem atrapalhar a aprovação da Lei ou até mesmo impedir a adesão de um grande número de empresas?Eu acredito que não. Desde que isso não seja compreendido como uma obrigação a mais da empresa, mas como uma forma de investimento na sociedade. Quando você tem essa nova maneira de pensar, isso não passa a ser um desgaste para a mulher, mas algo muito importante para o currículo dela. Ela se torna uma pessoa até mais responsável.

Seis meses afastada da empresa não podem prejudicar o futuro profissional da mulher?Eu não acho que dois meses a mais vão tirar uma mulher do mercado de trabalho. Ela não estará parada. Ela vai estar amamentando, o que é muito importante para evitar o câncer de mama. Ela vai estar cuidando de si em um momento único. Isso não deve criar problemas, e, se criar, está na hora de mudarmos isso.

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