José e Edit em sua casa em Colombo: Rafael fugiu de quatro internações| Foto: Felipe Rosa/ Gazeta do Povo

Esperança

Internamento renova esperança da família; irmão superou o vício

Os olhos claros de Edit brilham ao falar do futuro. A fama instantânea das mídias sociais fez com que uma clínica de Araçoiaba da Serra (SP) oferecesse tratamento gratuito a Rafael por um ano. A família se anima ao receber notícias todos os dias. "A gente sempre quis isso. A oportunidade de ele se curar", diz a mãe. Os pais vivem da aposentadoria de José, sem condições para custear um tratamento particular. Agora, vislumbram o retorno do filho. José sonha com churrascos sob as árvores frondosas do quintal e com os netos correndo pelo gramado florido do jardim. "Quero reunir todos os filhos na mesma mesa", diz.

O irmão mais velho de Rafael, Fernando, conseguiu se livrar da dependência química. Casado, leva uma vida normal em Paranaguá. A postura mais aberta em relação às drogas e a ajuda da família foram decisivas para a recuperação. "Ele nos ouvia mais", diz José. O impulso que faltava veio com a gravidez da irmã Rubiana. Ele foi convidado para ser padrinho da criança, caso vencesse a dependência química. E assim aconteceu. "Ele se internou espontaneamente e se curou. O Pedrinho [filho de Rubiana] foi importantíssimo."

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Rafael Nunes ao lado da irmã Rubiana. Na época, a família vivia no Mato Grosso
Rafael Nunes passou a infância em Tenente Portela (RS), onde nasceu. Menino já era vaidoso, segundo os pais
Os irmãos começaram juntos a usar drogas, mas Fernando (à direita) se livrou do vício
Foto tirada por turista no Centro de Curitiba e que tornou Rafael conhecido nas redes sociais
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Céu e inferno. Sonho e pesadelo. Vida e morte. Essas figuras de linguagem tornaram-se recorrentes na vida da família de Rafael Nunes da Silva, de 31 anos, o ex-modelo e morador de rua de Curitiba que ganhou fama ao ter sua foto publicada no Facebook. Com essas palavras os pais retratam o calvário imposto pela dependência química do rapaz e a esperança diante do internamento em uma clínica para reabilitação. "Se existir algo pior que as drogas, deve ser o inferno. Rafael estava morto. A nova data de nascimento dele é o dia em que foi internado", diz a mãe Edit Claurele Nunes.

A história talvez se pareça com a de tantos moradores de rua sem traços europeus e que não tiveram fotos replicadas na internet. Rafael passou uma infância tranquila ao lado dos pais e de três irmãos, na cidade gaúcha de Tenente Portela. O menino loiro de olhos azuis e covinha no queixo já mostrava qualidades que mais tarde seriam aproveitadas no mundo da moda. Gostava de roupas limpas e cabelo cortado. "Ele era muito vaidoso", lembra o pai José Nunes da Silva.

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FOTOS: Slide show do tempo de modelo de Rafael Nunes

Em 1994, a família se mudou para Farroupilha (RS). Na adolescência, José nem percebeu que um amigo dos filhos, um guri boa-praça e conversador, era traficante. "Ele convidava o Fernando [irmão de Rafael] para jogar futebol, mas na verdade era por causa de droga. Quando acordei, já era tarde." Foi o primeiro contato deles com entorpecentes.

A dependência

A família recorreu ao trabalho para livrá-los das drogas. Em 1999, o pai, mestre de obras, recebeu proposta para trabalhar em Sinop (MS). Rafael deslanchou na profissão. "Era meu braço direito. Era o único em quem eu podia confiar para ‘bater um esquadro’ [fazer medições para a construção]", orgulha-se o pai.

Com o sucesso profissional, os filhos passaram a ganhar mais: R$ 30 por dia cada um. Com mais dinheiro, se perderam no vício. Edit buscou ajuda em postos de saúde e tentou internar Rafael. Apesar dos esforços, a situação fugiu do controle. Os irmãos chegaram a brigar em casa por causa de drogas. Para acalmar os ânimos, Rafael foi mandado para Curitiba, onde morava a irmã Fabiana.

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Era 2002, e o rapaz logo foi descoberto por uma agência de modelos em Curitiba. Chegou a fazer desfiles e campanhas publicitárias, mas quando faria o trabalho de maior repercussão, um comercial de tevê, levou outra rasteira. "Ele usou drogas no dia anterior e perdeu o horário da gravação", diz a mãe. Em 2006, os pais se mudaram para Colombo atrás de tratamento de visão para José, que é deficiente visual. Rafael já tinha perdido a profissão de modelo. A fuga para as ruas era questão de tempo.

Drogas levaram Rafael a bater no pai e na mãe

Nos últimos três anos, a família viveu o período mais sombrio da dependência química de Rafael. O rapaz se tornou agressivo. Chegou a bater duas vezes no pai e ameaçou a mãe. Volta e meia a polícia tinha de ser acionada para conter o ex-modelo, em surtos provocados pela abstinência.

A família começou a peregrinar em busca de ajuda. As andanças eram feitas de ônibus e a pé, com Edit arrastando José pelas ruas – ele já sem visão. Rafael chegou a ser internado por quatro vezes, mas fugia em dois ou três dias. Também passou a vender roupas e objetos pessoais para comprar crack. "Nem sei quantas vezes choramos. Daria um rio de lágrimas", diz Edit.

Há um ano, veio "o fundo do poço". Rafael saiu de casa e passou a morar na rua. Os pais perderam as contas de quantas vezes perambularam procurando o filho. Em um período mais crítico, a família ficou dois meses e meio sem notícias. Desesperados, os pais passaram a zanzar por hospitais e pelo Instituto Médico-Legal. "É dolorido você ir ao IML procurar seu filho. Naquele instante, você vai à loucura", traduz José.

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Rafael Nunes no tempo de modelo