As novas regras para a solicitação do Financiamento Estudantil (Fies) do governo federal vão descartar, neste ano, a possibilidade para cerca de 4 milhões de pessoas pedirem o empréstimo para cursar o ensino superior em faculdades particulares do país. A partir do dia 30 de março, somente quem tiver tirado mais de 450 pontos de média na prova objetiva do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), e que também não tiver zerado na redação, estará apto a se enquadrar no crédito do programa governamental. No Enem 2014, dos 6,1 milhões que fizeram o exame, apenas 2,1 milhões tiveram essa nota mínima (veja quadro ao lado), ou seja, cerca de um terço do total. O total pode variar de acordo com o ano e é possível usar notas do Enem de edições anteriores para solicitar o benefício.
Há outros financiamentos estudantis no mercado
- Antonio Senkovski
Mesmo quem tenha média abaixo de 450 e/ou tenha tirado nota 0 na redação do Enem tem até o dia 30 de março para pedir o Fies. A partir de então, a nova regra passa a valer. Mas ainda assim há algumas possibilidades de crédito universitário alternativas para quem não conseguir o Fies.
Na maior parte das instituições bancárias há linhas disponíveis para financiar um semestre ou então uma parte do valor do curso superior. Mas as taxas de juros são mais altas do que as do Fies e é preciso ver a regra de cada banco, mas costumam ser mais baixas do que para financiamentos como de carros ou motos.
O financiamento mais parecido com o Fies é o Pravaler, da empresa Ideal Invest. Rafael Baddini, diretor da companhia, explica que em um dos produtos disponibilizados pela organização a universidade subsidia parte ou até toda a taxa de juros. Com isso, o estudante beneficiado paga mensalmente a metade do valor do que seria o preço da mensalidade. Se o curso durar quatro anos, o aluno paga meia mensalidade durante oito anos. Os pré-requisitos para pedir um financiamento Pravaler são ter (somado aluno e fiador) uma renda mínima duas vezes o valor da mensalidade e não ter nome incluído nos serviços de proteção ao crédito.
Para mais informações, acesse: www.portalpravaler.com.br
O Ministério da Educação (MEC), que mudou as regras, disse, via assessoria de imprensa, que a medida foi tomada para melhorar a qualidade do aluno que frequenta o ensino superior, uma preocupação constante da pasta. Mas os especialistas são unânimes ao dizer que esse pensamento é um reflexo de uma política educacional que age no lado oposto ao problema principal. Segundo eles, o certo seria ter um plano para melhorar a qualidade do ensino básico, usando os dados do Enem para apontar onde estão os problemas que levam a notas tão baixas – e corrigi-los. Mas as opiniões divergem sobre o aspecto da medida do MEC de buscar beneficiar os melhores e penalizar aqueles com menor desempenho.
“A ideia é interessante, mas quebra a concepção do que é democratizar a educação”, opina a coordenadora pedagógica do Centro Universitário Uninter, em Curitiba, Inge Suhr. Ela observa que na educação, em algumas situações, é necessário dar a oportunidade para alguém sem perguntar a quem, porque é possível que essa pessoa corrija sua trajetória. “O resultado do Enem está demonstrando um buraco muito maior, que é o problema da educação básica. Medidas como essa são funis para tentar justificar algo que não seria necessário se a educação fosse de qualidade.”
Joe Garcia, doutor em Educação e professor da Universidade Tuiuti do Paraná, defende que as mudanças do MEC ampliam ainda mais a distância entre os alunos de “excelência” dos alunos de baixo desempenho. “Os números do Enem não estão ajudando a apontar como melhorar, estão sendo usados para reafirmar a distância entre alunos do grupo de excelência e os do outro extremo, mas deveriam auxiliar a reduzir a distância, ou até acabar com ela.” Para Garcia, o país tem um sistema de educação que quer ser democrático, mas é meritocrático. “Claramente estão pensando num grupo de elite desses alunos.”
O psicólogo e educador Marcos Meier não vê com bons olhos a medida de restringir o acesso de milhões à educação superior. Ele fala, no entanto, que a ideia de tornar a educação um espaço de reconhecimento do mérito é algo a ser visto com bons olhos. “Chega de nós darmos todas as chances para aluno que não estuda. Temos uma dificuldade no Brasil de não valorizar o mérito. O que ocorre muitas vezes é que um aluno que não se esforça tem o mesmo benefício que outro com desempenho maior”, opina.
Mudanças causam confusão entre os alunos e instituições que já o utilizam
- Antonio Senkovski
Após as mudanças, anunciadas em um pacote com outras alterações, o site do Fies, utilizado para solicitações de financiamentos, foi tirado do ar no fim de 2014 para atualizações. Desde então, estudantes como Edson Luiz da Silva, 24 anos, se sentiram perdidos. “Fiquei tranquilo apenas quando vi uma informação no site [do Fies] que o sistema abriria no dia 23 de fevereiro. Mas só hoje [dia 24] tentei umas 40 vezes fazer o cadastro e está dando erro.” O que preocupa Silva é que a mensalidade dele vence no dia 10, e vai ficar difícil para ele ter que pagar a terceira mensalidade do ano sem o auxílio do financiamento. “Se eu não estivesse apertado financeiramente, não estaria solicitando o Fies.”
A coordenadora de bolsas e financiamentos da PUCPR, Daniele Ribaski, por sua vez, está com dificuldades para agendar o cronograma na universidade. Nos anos anteriores, havia um planejamento desde o mês de janeiro para liberar lotes de Fies pré-estabelecidos pela instituição. Com a abertura do sistema apenas no dia 23, e novos prazos, além de falhas no sistema, o trabalho dela tem sido difícil. “Acaba acumulando com outras atividades que nós precisamos fazer e, sem esse valor liberado, muitos alunos podem desistir, por não terem como pagar matrícula.” Apenas na PUCPR, 20% dos 24 mil alunos dependem do Fies.
A reportagem entrou em contato com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que, via assessoria de imprensa, se limitou a dizer que o sistema para a solicitação do Fies voltou a funcionar ao meio-dia do dia 23 de fevereiro, “como estava previsto” e que as inscrições seguem até 30 de abril.
Sobre a exigência da nota mínima, o MEC informou que as mudanças foram promovidas em busca de uma maior qualidade na educação superior. O órgão diz que a intenção é fazer com que o aluno, com uma nota mínima, torne melhor a qualidade do nível dos estudantes que frequentam o ensino superior. O MEC relata que isso demonstra uma preocupação que se tornou uma constante da entidade com a qualidade na educação superior do país.
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