O que no início do ano era um bosque localizado atrás de um prédio no bairro Santa Quitéria, em Curitiba, hoje é uma pequena vila, com casas, ruas de chão batido, ligação com a rede de energia elétrica e uma pequena venda. A área, nos fundos de um imóvel na Rua Rezala Simão, é uma das três que foram invadidas no início de fevereiro por um grupo de aproximadamente 200 sem-teto. Nove meses depois da ocupação, quem passa pelo local pode constatar que pouco foi feito para que se chegasse a uma solução. Apesar das decisões judiciais que determinaram a desocupação de dois terrenos, por enquanto as únicas coisas que mudaram na região foram as casas dos invasores, que já estão sendo construídas em alvenaria.
Com o passar do tempo, o clima de tensão entre moradores da região e sem-teto foi dando lugar à tranqüilidade. O auge dos atritos foi registrados no dia 25 de abril, quando moradores fecharam o tráfego na Rua Rezala Simão, pedindo que a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) cumprisse as reintegrações de posse. Faltou pouco para o protesto terminar em pancadaria. Hoje, o clima é outro. "Não estão me incomodando mais. Estamos vivendo em paz", afirma a síndica do condomínio Atlanta 3, Elizabeth Lahoud.
Os invasores começaram a chegar no dia 16 de fevereiro, sexta-feira anterior ao carnaval. Os terrenos pertencem ao Consórcio Nacional Cidadela e à empresa Residencial Plano Leve S/A. A 5.ª e 13.ª Varas Cíveis de Curitiba já expediram liminares para que duas áreas na Rua Rezala Simão, ao lado dos condomínios Atlanta 1 e 2, e na Rua João Scussiato fossem desocupadas, mas as ordens não foram cumpridas pela Sesp. No dia 27 de março, a assessoria da Sesp informou que estava sendo feito um "levantamento da região", como parte da preparação para a operação. Em 25 de abril, a informação foi que a data da operação já tinha sido marcada, mas que não seria divulgada por motivos de segurança.
Nesta semana, a versão mudou. Na última quarta-feira, a assessoria da Sesp informou que não há nenhuma operação agendada e que a orientação é para que se busque uma solução pacífica para a retirada das famílias, em parceria com órgãos de habitação popular, como a Companhia Paranaense de Habitação (Cohapar) e a Companhia de Habitação de Curitiba (Cohab). As assessorias dos dois órgãos, no entanto, negaram que haja qualquer discussão neste sentido. Segundo a assessoria da Cohab, o único contato foi feito pelos invasores, sem que o órgão pudesse intervir na situação, já que a área é particular e há cerca de 11,5 mil famílias na fila para serem assentadas em Curitiba. A assessoria negou que tenha havido algum contato por parte do governo do estado.
À medida que o tempo passa, aumenta a esperança dos invasores de continuar no bairro. "O que queremos é isso", define o eletricista Odair da Costa, 50 anos, um dos primeiros a chegar ao local. Atualmente ele vive em uma casa de alvenaria na ocupação que fica na Rua João Scussiato. "A idéia é regularizar os lotes e ficar por aqui. Tentamos com a Cohab, mas sem sucesso." Segundo Costa, 184 pessoas de 36 famílias moram no terreno.
O soldador Francisco Andrade, 50 anos, conta que vivia de favor na casa das enteadas, no bairro Campo Comprido, antes de se mudar para o Santa Quitéria. Ele diz ter investido R$ 10 mil, que ainda estão sendo pagos, na construção de uma casa de alvenaria, no terreno atrás do condomínio Atlanta 3. Agora, teme perder tudo. "Eu morava de favor em outra área de invasão, e não tinha como pagar uma prestação", conta. "A gente quer tudo regularizado, não quer nada clandestino." Pelos cálculos de Andrade, pelo menos 250 pessoas ocupam a área.
Números
Um morador da região que prefere não ter o nome revelado, no entanto, diz que os invasores "inflam" os números. "Não tem tudo isso. Todos os dias olho pela janela e vejo que os barracos estão vazios", comenta. "Quanto eles falam que tem 60 barracos, é porque tem 30. Só constróem os barracos para vender, já vi carros caros chegando com material de construção." Os ocupantes negam que a intenção seja negociar as casas.