Ameaça de flanelinha pode resultar em quatro anos de cadeia| Foto: Marcelo Andrade/ Gazeta do Povo

Intimidação

Bullying pode dar prisão de até quatro anos a maiores de 18 anos

Juliana Gonçalves e Marcelo Frazão, do Jornal de Londrina

A prática de bullying pode ser tipificada como crime no novo Código Penal. No entendimento do grupo de juristas que discute a reforma do dispositivo, o ato de agredir física ou verbalmente algum menor de forma intencional e continuada pode ser classificado como intimidação vexatória. Se o autor for maior de idade, pode ficar preso por até quatro anos. Caso o agressor seja menor de 18 anos, o caso será analisado seguindo as determinações previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê o cumprimento de medidas socioeducativas, que vão desde prestação de serviços até internação.

Em Londrina, um garoto de 8 anos foi internado com crises de pânico e convulsões após sofrer bullying na escola. O Núcleo Regional de Educação abriu sindicância e afastou a professora apontada como responsável pelas alterações no comportamento do menino, que mudou após ser chamado de gordinho.

O comportamento da criança se alterou ao longo de algumas semanas, até evoluir para um quadro de convulsões e crises de pânico. Após três semanas no hospital, o menino está em casa desde a última segunda-feira, mas ainda não voltou às aulas. A professora continua afastada da escola. Para o professor do departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina e doutor na área de violência Alex Gallo, por ter partido de alguém em hierarquia superior na sala de aula, o fato pode ser considerado assédio moral. "E isso, psicologicamente e juridicamente, é muito pior", afirma.

CARREGANDO :)

Prazos

Revisão de código será concluída até dia 25

Além do bullying, a comissão que revisa o Código Penal já propôs a descriminalização do uso de drogas e a punição para guardadores de carros que ameacem motoristas. O código, em vigor desde 1940, só sofreu alterações pontuais. A revisão deve ser concluída até o dia 25 de junho e então o novo texto passa a tramitar no Congresso. De acordo com o advogado Juliano Breda, que participa da Comissão de Revisão na Câmara dos Deputados, antes de discutir o que precisava ser alterado, os juristas passaram meses analisando o funcionamento do sistema penal brasileiro. "O potencial lesivo de determinadas condutas é maior, mas não se pode criar um sistema desproporcional em relação aos crimes tradicionais. Alguns crimes novos são apenas novos rótulos de condutas já tipificadas", diz.

As proposições de novas leis e a revisão do Código Penal brasileiro revelam a existência de uma face dinâmica do crime e da punição, que evolui de acordo com mudanças tecnológicas e culturais. Enquanto a sociedade se depara com crimes cometidos pela internet, antes ignorados pela legislação, a concepção do que é considerado delito que merece punição também muda e algumas ações deixam de ser crime, como o adultério.

Publicidade

Um dos grandes debates da criminologia, na opinião do sociólogo Pedro Bodê, coordenador do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é o de que o entendimento sobre o que é um crime varia com os valores de determinada época. "Não há como defini-lo de forma abstrata", diz ele.

Para o advogado Juliano Breda, secretário-geral da OAB-PR e membro da Comissão de Revisão de Crimes e Penas da Câmara dos Deputados, há uma criminalidade tradicional, relacionada a crimes contra a vida, patrimônio, fé pública e sexuais, mas existem novos fenômenos criminalizados em razão do dinamismo social e do surgimento de novas tecnologias. Essa mudança de postura pode ser notada especialmente nas duas últimas décadas, quando bens como o meio ambiente foram entendidos como essenciais ao desenvolvimento humano. "Isso exige uma nova postura do Estado, que se traduz na atividade legislativa e no âmbito criminal", afirma.

Um exemplo da mudança na concepção da sociedade sobre o que é crime envolve os homossexuais. Enquanto alguns países mais conservadores ainda criminalizam a homossexualidade, em outros, como é o caso do Brasil, existem projetos que permitem o casamento homoafetivo e propostas que buscam criminalizar justamente a homofobia. "Isso exprime um movimento curioso, oposto à criminalização dos homossexuais", analisa o advogado Juarez Cirino dos Santos, professor de Direito Penal da UFPR e presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal.

Excesso de leis

Um código penal amplo dá margem a muitas interpretações e pode tornar brandas algumas punições. Por outro lado, o excesso de leis derivado da proposição de normas jurídicas pode ser prejudicial para a sociedade. "A criação de um novo tipo penal é sempre precedida de um clamor social ou de pressões de determinados grupos, mas a sociedade não percebe a gravidade dessas consequências e vamos diariamente perdendo uma parcela da nossa liberdade", diz Breda. A existência de leis penais não contribui para a redução da criminalidade, mas é uma solução mais simples de o Estado responder aos pedidos de segurança.

Publicidade

Para a advogada Priscilla Placha Sá, professora de Direito Penal da UFPR e membro do grupo Modernas Tendências do Direito Criminal da FAE Centro Universitário, a questão fundamental é saber se os códigos, a justiça, as delegacias e juízes teriam condições de desempenhar as tarefas que a sociedade deseja. "Não há um compromisso social por parte da comunidade na recuperação dos criminosos ou em investimentos para que eles não ocorram, como em uma boa educação de base", diz ela.

Estudo analisa percepção da violência

No Brasil, as pessoas não se sentem protegidas pelas leis, mas acreditam que devem obedecê-las mesmo quando não estão "certas". A conclusão está em pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, divulgada nesta semana, que analisa as relações entre ser vítima de violência e atitudes, normas e valores em relação à violência, direitos humanos e instituições encarregadas de garantir a segurança aos cidadãos.

O estudo foi aplicado em 1999, em dez capitais, e reaplicado em 2010 em 11 cidades – Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Porto Velho, Goiânia e Fortaleza. Por entrevistas, os pesquisadores questionaram os entrevistados sobre sua deferência às leis. Embora a tendência em apontar para o sentimento de falta de proteção e o caráter injusto de leis, houve redução na frequência de concordância total com essa situação, o que poderia sinalizar um aumento da sensação de garantia de segurança.

Os entrevistados consideraram o consumo e tráfico de drogas como uma das maiores causas da violência, mas também veem como fatores de risco o uso de bebidas alcoólicas, ciúmes, falta de religião e preconceito racial. De acordo com o estudo, isso revela uma ênfase em fatores individuais, enquanto causas estruturais são pouco percebidas como relevantes para explicar a violência.

Publicidade