No mundo ocidental, em que praticamente tudo é permitido e grande parte dos tabus foi derrubada, o que ainda resta para ser contestado?
Nos anos 60, havia muito o que conquistar. Os regimes ditatoriais, as guerras e a repressão sexual impulsionaram os jovens a lutar por liberdade em todos os sentidos. Os chamados hippies rebelaram-se contra o modelo de sociedade existente na época e não mediram esforços para chocar e causar polêmica.
É possível afirmar que o movimento hippie ainda vive. Os novos movimentos de contestação, entretanto, estão muito distantes dessas comunidades alternativas que hoje vivem isoladas no litoral da Bahia, no interior de Goiás, ou dos grupos de andarilhos que sobrevivem vendendo artesanato nas esquinas das grandes cidades.
Ainda se busca salvar o mundo, torná-lo mais humano, justo e pacífico, como se desejava há 40 anos. Novas necessidades, entretanto, surgiram. É preciso também torná-lo mais limpo, verde e mais comunitário. As armas usadas para divulgar essas causas, entretanto, têm sido mais sutis, menos radicais. Os contestadores do século 21 não querem impor os seus ideais, mas procuram influenciar os outros por meio de boas condutas, que parecem ter o mesmo poder de chocar que a rebeldia dos anos 60 e 70.
"Acho que a forma mais ousada de contestar no mundo de hoje é tornar-se vegetariano", acredita a empresária Mayra Corrêa e Castro, 36 anos, que largou uma carreira promissora como gerente de marketing de produtos de uma empresa de telecomunicações para abrir um estúdio de ioga e aromaterapia. Para ela, a bandeira do vegetarianismo é um dos maiores atos políticos da atualidade. "Por meio de uma simples mudança de hábito, que na verdade não é tão simples assim, você combate a exploração dos recursos naturais, a crueldade com os animais e contribui para uma sociedade mais pacífica", explica.
A prática do ioga foi uma sugestão do próprio departamento de recursos humanos da empresa, como forma de aliviar o estresse causado pelas longas horas de trabalho. "Aos poucos, fui sentindo a necessidade de me dedicar a uma atividade que ajudasse a melhorar o mundo e que me tornasse mais realizada. Foi quando surgiu a oportunidade de comprar um estúdio de ioga em Londrina", conta.
Mayra e o marido viveram por dois anos em Londrina antes de voltarem para Curitiba. Hoje, além de dona da Casa Máy, ela também é secretária do Grupo Curitiba da Sociedade Vegetariana Brasileira e ajudou na idealização da Feira Gastronômica Vegetariana e da Campanha Segunda-feira sem Carne em Curitiba.
A partir da bike
Já para o psicólogo e professor universitário Leandro Kruszielski, 30, o uso da bicicleta foi o ponto de partida para que ele e a família mudassem, aos poucos, o estilo de vida. "Há pouco mais de três anos comecei a usar a bicicleta para trabalhar, ir ao mercado, à padaria... Percebi que o deslocamento era muito mais prático e, principalmente, mais agradável. Tudo passou a fazer sentido. Com um simples gesto eu tornava a minha vida mais fácil, a dos outros também, além de poluir menos a atmosfera", conta.
Aos poucos, Leandro começou a se interessar por assuntos ligados à mobilidade urbana e passou a participar de grupos de discussão em sites e blogs que incentivavam o uso de meios alternativos de transporte. Ele também se tornou colaborador da Bicicletada Curitiba, movimento em que ciclistas se juntam para reivindicar seu espaço nas ruas. "Quando alguma coisa é boa para você, é natural que você queira contar para os outros, compartilhar o que te faz bem."
O contato com outras pessoas que abraçavam a mesma causa incentivou Leandro a adotar outros hábitos sustentáveis como a reciclagem, a compostagem do lixo orgânico e o consumo de alimentos orgânicos. Ele também aboliu o uso de sacolas plásticas e de fraldas descartáveis para as filhas gêmeas, de 3 meses. "A intenção é gerar a menor quantidade de lixo possível. Faço isso pela Julia e pela Marina, quero que elas tenham a oportunidade de viver em um mundo melhor."
Coletividade
O analista de informática Luis Patrício, 32, e a mulher Lia, 27, foram ainda mais radicais. Enquanto Leandro continua usando o carro quando sai com a família, o casal aboliu de vez o uso do automóvel e continuará assim mesmo após o nascimento da filha Ana Maria, previsto para maio.
Quando entrou para a Bicicletada, Luis conheceu pessoas com novas visões de mundo e aderiu ao ioga, ao vegetarianismo e à alimentação orgânica. De acordo com ele, todas essas ações estão interligadas. "Não adianta vender o seu carro e andar só à pé se você não pensar de onde a sua comida está vindo, como ela é transportada. Por isso, hoje faço parte de um coletivo que compra produtos diversos de pequenos produtores da região", conta. A atitude, além de incentivar a economia regional ainda contribui para diminuir a produção de lixo da família, já que eles mesmos levam os potes de vidro e de plástico para armazenar os alimentos.
No entanto, na opinião de Luis, a maior vantagem de seu novo estilo de vida é o resgate do sentimento de coletividade. "A cultura do carro é individualista, você vai para qualquer lugar. Quando você elimina o automóvel de sua vida, você redescobre a vizinhança, passa a depender dos outros. Para muitos, isso pode ser considerado algo negativo, mas não para mim. Eu descobri que não preciso andar tanto assim para conseguir o que eu preciso."
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