Gabriela penou para conseguir que a montadora trocasse a peça do carro. A advogada passou dois meses usando o veículo com risco maior de sofrer algum acidente| Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Como agir

Indisponibilidade de peças não exime responsabilidades

A presidente da Comissão de Direito do Consumidor da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Andressa Jarletti Gonçalves de Oliveira, explica que a alegada indisponibilidade de peças não exime a responsabilidade das montadoras. "Se o defeito não pôde ser sanado no prazo de 30 dias, é direito do consumidor optar pela devolução do dinheiro ou substituição por outro produto", garante a especialista.

Alternativas

Nesses casos, o consumidor tem pelo menos três alternativas para resolver o impasse: primeiro, procurar o Procon, as Delegacias do Consumidor ou o Ministério Público; segundo, buscar a resolução pela via judicial, em que uma liminar determine ao fornecedor o reparo imediato do defeito, sob pena de multa; e, por último, dar publicidade ao fato através das redes sociais e da mídia, já que a exposição negativa da empresa muitas vezes ajuda a chamar atenção para o problema e a resolvê-lo de forma mais rápida.

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O número de recalls automotivos vem crescendo nos últimos dois anos no país. O recorde foi batido em 2014, quando foram feitas 94 campanhas públicas de aviso de risco, o que representa um crescimento anual de 28%, segundo dados nacionais da Fundação Procon-SP. Em 2013, haviam sido anunciados 73 recalls.

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Apesar de as montadoras realizarem as chamadas públicas de defeito, muitos consumidores são obrigados a esperar por meses pelo conserto ou pela troca das peças defeituosas. De janeiro de 2012 a dezembro de 2014, o site Reclame Aqui registrou 391 queixas relacionadas aos recalls e à falta de peças. Para a diretora do Procon-PR, Cláudia Silvano, as montadoras cometem duas falhas graves nesse caso. "Primeiro falham ao colocar um produto defeituoso no mercado, depois falham ao não corrigir o problema como deveriam", alerta.

Claudia lembra que, embora a portaria 487/12 do Ministério da Justiça, que disciplina a prática do recall, não delimite um prazo de espera nem discorra sobre a questão da disponibilidade de peças, a demora para solucionar os problemas nos automóveis contraria o espírito da determinação legal.

A advogada Gabriela Abreu, 26 anos, passou por esse mesmo problema. Alguns meses depois de comprar um carro novo, ela recebeu uma carta da Ford informando que o seu Ford Fiesta Rocam 2014 precisaria passar por um recall devido a uma possibilidade de ruptura na válvula de freio do automóvel. "Até aí, tudo bem. Um erro na montagem pode acontecer com qualquer produto", pondera a advogada. Porém, ela foi surpreendida quando lhe disseram que não havia peças de reposição e que a montadora não tinha estimativa de quando poderia realizar a troca, mesmo com a lei dos recalls obrigando as empresas a dar um prazo para a adequação completa dos serviços afetados.

Acidente

Durante dois meses, sem qualquer previsão de quando teria o problema solucionado, Gabriela correu o risco de se envolver em um acidente. Conforme comunicado emitido pela própria montadora, embora não exista o risco de perda total da capacidade de frenagem do carro, poderia ser necessário um esforço adicional do motorista ao acionar o pedal, "o que poderá [...] causar acidentes graves, com possíveis danos físicos aos ocupantes do veículo e terceiros". Somente depois do contato da reportagem é que Gabriela teve a peça devidamente substituída.

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"Me senti bastante perdida. Todas as três vezes que liguei para a montadora, recebi informações contraditórias e nenhuma solução para o problema. É absurdo pensar que a fabricante envia cartas convocando consumidores para recall, mas é incapaz de estimar um prazo para a substituição", critica.

Por meio de nota, a Ford afirma que o desabastecimento de peças foi pontual e justifica que a empresa vem adotando todas as medidas possíveis para gerar eficiência e rapidez em seus distribuidores para atender todos os consumidores envolvidos.

Índice alto é "termômetro" da baixa qualidade, diz especialista

O engenheiro mecânico William Maluf Filho, que leciona no Centro Universitário da FEI, em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, e que por 10 anos foi supervisor de qualidade da Ford, não tem dúvidas em afirmar que o alto número de recalls é um termômetro da perda de qualidade dos carros produzidos no Brasil. "As montadoras só devem soltar os carros quando têm perfeito conhecimento do padrão de qualidade, mas isso não acontece", assegura o especialista, que também atua no Curso de Especialização Automotiva da Universidade de São Paulo (USP).

Entre os principais motivos para isso, segundo Maluf, estão: a pressa em lançar veículos; o conhecimento limitado de novas tecnologias; a variabilidade das peças de um mesmo lote; a falta de testes de qualidade de todos os lotes de produtos de subfornecedores; e "vistas grossas" a procedimentos internos que deveriam ser seguidos.

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O engenheiro mecânico explica que se alguma falha é observada em um veículo, as montadoras abrem uma investigação, descobrem como solucionar o problema e incorporam isso no sistema de qualidade como uma lição aprendida. "Então, se um carro apresentou problema no sistema de freio e já houve recall, por exemplo, o automóvel não poderia apresentar outra falha no mesmo sistema. Mas acontece. O que prova que as montadoras ignoram alguns procedimentos."

Críticas justas

Para Luiz Moan Yabiku Junior, que preside a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e é diretor de Assuntos Institucionais da General Motors, as críticas são justas. "O que acontece é que o automóvel é composto por mais de 5 mil peças e, eventualmente, uma ou outra peça apresenta defeito", destaca Yabiku. No tocante à falta de peças, o presidente da Anfavea defende que é melhor avisar o consumidor do problema, mesmo que não haja peças, do que deixá-lo na ignorância. "Nesses casos, o consumidor deve seguir as instruções da montadora e aguardar, se for necessário", sugere.

Já a presidente da Comissão de Direito do Consumidor da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Andressa Jarletti Gonçalves de Oliveira, é taxativa ao dizer que o número elevado de recalls mostra um desrespeito às normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que impõem os deveres de zelar pela segurança e qualidade dos produtos antes de disponibilizá-los no mercado de consumo.

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