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Cristiane Yared numa das manifestações de 2009: uma mãe em público | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Cristiane Yared numa das manifestações de 2009: uma mãe em público| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Pais de vítimas do trânsito formam grupo

A chegada de Cristiane Yared à Igreja do Evangelho Eterno é cheia de som e fúria. De seu grande carro preto – desses que parecem um caminhão – saem ela e mais as mães trágicas que foi recolhendo de carona. Saem também caixas de salgados e docinhos para comer no final do encontro das terças-feiras à noite. Ao contrário do que se possa imaginar, essas mulheres que choram ainda sabem rir e se indignar.

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A empresária curitibana Cristiane Yared, 49 anos, era pouco mais do que uma menina na primeira vez em que pôs a boca no trombone. Um assaltante foi preso nas imediações de sua casa. A vizinhança saiu às carreiras para espiar pela janela. Foi dali que viu o policial dar uma coronhada na cabeça do suspeito – já com as mãos ao alto. Deve ter se arrependido. "Não sei o que me deu. Fiz um escândalo", conta a mulher que ao longo de 2009 virou símbolo nacional na luta contra a impunidade nos crimes de trânsito.

Sua voz, agora, não é conhecida apenas na rua onde mora. Cristiane, uma espécie de mãe coragem saída das páginas de Bertolt Brecht, fez-se ouvir nas principais emissoras de tevê e rádio, e deu entrevistas a jornais e revistas de grande circulação, sem exceção. Passou pelos programas policiais voltados para as classes C e D e pelos elitizados telejornais da noite. Ela lembra, com orgulho, a ida ao Jô Soares, a conversa com Ana Maria Braga, as gravações, há poucos dias, para o Profissão Repórter de Caco Barcellos – ainda inédito.

Em todas as ocasiões, o assunto foi o mesmo: a "coronhada" recebida com a morte do filho Gilmar Rafael Yared, 26 anos, e do amigo dele, Carlos Murilo de Almeida, 20, dia 6 de maio último, em acidente provocado pelo então deputado estadual Fernando Ribas Carli Filho. Cristiane poderia ter se calado, como milhares de mães que se resignam a esperar, anos a fio, por inquéritos que se perdem na poeira das delegacias de trânsito. Mas, como da outra vez, não sabe o que lhe deu.

A notícia da morte de Rafael lhe foi dada às duas e pouco da madrugada, na porta de casa – no Mossunguê – não pela polícia ou por um assistente social, mas por dois agentes funerários. Uma semana depois, no domingo do Dia das Mães, um funcionário da confeitaria da família contou detalhes funestos do acidente. O impacto da batida foi tamanho que Rafael teve a cabeça cortada e atirada longe. "Eu não sabia. Você consegue imaginar o que senti?" A trilogia de horror se completou com a notícia de que o filho morto seria o culpado pelo acidente. A essa altura, o copo estava cheio. "Foi quando eu me levantei." E assim permanece.

Cristiane Yared é daquelas mulheres que não passaria despercebida nem debaixo de uma burka. Alta e de olhos graúdos, tem mais do que presença. É dona de uma inteligência viva, rápida, como se lesse os pensamentos de seu interlocutor. A facilidade com as palavras lhe vem da mãe, Sulamita de Souza. As duas são pastoras na Igreja do Evangelho Eterno, no Cristo Rei, endereço sem o qual não se entende a dimensão tomada pelo que ficou conhecido como "caso Carli Filho."

Depois da Catedral do Reino de Deus, na Sete de Setembro, o templo em que a família Souza-Yared prega é o mais conhecido centro evangélico de Curitiba. Fica na Rua Schiller – o Jardim Ambiental II – esquina com a Rua XV de No­­vembro e funciona numa tenda de circo, o que lhe garantiu o apelido de "igreja de plástico".

Foi ali que Cristiane avisou que a tragédia não ia cair no esquecimento. A comunidade seguiu atrás, em uma campanha pela internet. O fatídico maio de 2009 pode até sair da mídia, mas não sai da memória dos computadores dessa nova classe média esclarecida e, como seus líderes, boa de briga.

Segundo Cristiane, seu marido, o empresário Gilmar, pediu que ela se aquiete. Tem medo de retaliações. Motivos não faltam. Se até pouco a matriarca dos Yared era uma mulher como tantas, ocupada de manter limpa a biografia do filho, hoje é uma personalidade em praça pública, quase tão conhecida quanto o prefeito.

O preço é que não está exposta apenas aos que lhe admiram a coragem. Já lhe ofereceram dinheiro para que não abra mais a boca. Ameaças. E candidaturas políticas, garantindo-lhe lugar na Assem­bleia, na Câmara e mesmo no Senado. Houve mesmo quem lhe perguntasse se a barulheira toda servia para promover sua confeitaria. "Dá para acreditar?"

Desde que tudo aconteceu, Cristiane pouco vai ao trabalho. Delegou as funções à filha mais velha, de 30 anos. Parte do tempo passa ao telefone, atendendo a quem vive dramas parecidos ao seu. "Eu não sei como essa gente se mantém em pé", diz, desfiando o rosário de histórias que recolheu nos últimos meses. Avisa que vai escrever um livro com os depoimentos.

A frequência de populares atrás de Cristiane é tamanha que de outubro para cá ela formou uma espécie de grupo de apoio para familiares de vítimas da tragédia – as do trânsito e outras. Se tudo der certo, em 2010 a roda de conversas, que ocorre às terças na "igreja de plástico", vai se converter numa organização sólida, tendo como parceiros cursos de Psicologia da capital.

No mais, tenta responder às perguntas que ficaram nas imediações das ruas Monsenhor Ivo Zanlorenzi e Paulo Gorski, onde ocorreu o acidente. Ela enumera: "Por que as imagens do radar sumiram? Quem estava no restaurante com o Carli? Por que tanta mobilização em torno dele?" Por que... continua a mulher, listando nomes e situações de arrepiar os cabelos.

Com tanto a fazer, Cristiane Yared tem conseguido desviar do Natal. O luto, reconhece, tem sido feito em prestação. "Em que momento choro a morte do meu filho? Eu acordo de madrugada e sento na cama. Nessa hora, sou eu e ele." No resto do dia, o telefone toca. A mãe de Gilmar Rafael sempre atende.

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