Um bilhete destinado à filha fez de Paulo Machado uma celebridade da internet, pelo menos entre a comunidade virtual de pais e mães diariamente desafiados pela desobediência dos filhos. Espirituoso, Paulo colocou sob ameaça o que é hoje, possivelmente, o bem mais precioso de um adolescente – o acesso à internet – para convencer a filha a ajudar com afazeres básicos de casa, como arrumar o próprio quarto e lavar a louça. O bilhete dizia que a senha do wi-fi seria alterada todos os dias e liberada mediante a realização de alguma tarefa.
A reação da internet, claro, foi imediata. Em poucas horas, o bilhete para Catarina foi compartilhado mais de 40 mil vezes e curtido por mais de 20 mil pessoas. Nos comentários, pais solidários parabenizavam a ideia. A estratégia, no entanto, convida à discussão sobre o exercício diário de negociação entre pais e filhos e sobre a melhor forma de fazer isso: condicionar o acesso à internet ao cumprimento de uma tarefa é um estímulo ou uma pequena (e questionável) chantagem?
Negociação, sim; imposição, não
A psicopedagoga e coordenadora de educação do Colégio Marista Santa Maria, Ana Paula Detzel, lembra que não existe apenas uma estratégia de negociação válida – tudo depende do perfil da criança e do adolescente. “Acredito muito no trabalho de conscientização, mostrando que para cada ato existe uma consequência relativa. Se a atitude do jovem é conflituosa, negativa, a consequência dessa atitude tem que levá-lo a refletir”, analisa.
O cérebro adolescente em construção
Pesquisas mostram que atos inconsequentes de jovens são, em parte, culpa da mente humana.
Leia a matéria completaPara ela, a atitude de Paulo não foi chantagem uma vez que houve diálogo entre pai e filha. “Ele trabalhou exatamente a conscientização da filha. Encontrou uma forma de mostrar para ela que o descumprimento das tarefas tem consequências. Não enxergo como chantagem quando existe argumentação. O pai não impôs as tarefas, mas negociou. É uma estratégia de formação.”
Ana Paula pondera, no entanto, que a tática do “se você não fizer isso, não terá aquilo” não deve ser adotada como forma padrão de negociação entre pais e filhos, pois algumas tarefas e atitudes não são “barganháveis”, ou seja, são responsabilidades, compromissos assumidos (como ir para a aula, por exemplo) e normas sociais que devem ser cumpridas.
“O ideal é formar a criança e o adolescente para que ele tenha consciência de que aquela atividade ou comportamento não tem de ser negociado todos os dias. Para que ele entenda que se trata não de uma regra, mas de colaboração rotineira em um contexto familiar e social.”
Regras claras e afeto geram colaboração
As psicólogas Paola Barbosa e Adriana Wagner, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desenvolveram um estudo sobre a negociação entre pais e filhos adolescentes. Elas explicam que enquanto os pais utilizam estratégias como a cobrança, a punição e o controle para garantir que suas regras sejam cumpridas, os filhos utilizam a resistência e o controle de informações.
O processo de construção de regras, no entanto, tem se tornado cada vez mais democrático. Por um lado, os pais têm se mostrado mais abertos e dispostos a adaptar as exigências aos contextos e ao comportamento da criança e do adolescente, em vez de adotar “regras únicas”. De outro lado, os filhos ganham mais espaço para expressar suas necessidades e “barganhar”.
“Essa expressão pode se dar através da discussão das normas, mas geralmente se dá por meio da desobediência”, diz o estudo. Nessa relação marcada pelo embate entre obediência e desobediência, Paola e Adriana constatam que a comunicação clara das regras e expectativas combinada ao afeto está associada ao menor uso de estratégias de resistência por parte dos adolescentes. Em outras palavras: quando há diálogo, a tendência é de que os jovens sejam mais colaborativos.
“É importante que pais e filhos tenham flexibilidade de adequar suas exigências e adaptar a forma de comunicação, de forma a manter as regras necessárias para o funcionamento da família e, ao mesmo tempo, dar suporte para a autonomia do adolescente.”
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