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Personagem do ano

O brilho do justiceiro

Wagner Moura no papel do subsecretário Nascimento, em Tropa de Elite 2: um personagem antológico |
Wagner Moura no papel do subsecretário Nascimento, em Tropa de Elite 2: um personagem antológico (Foto: )

Ficção e realidade viraram uma só em 2010. Enquanto o ex-capitão do Bope e atual coronel e subsecretário de segurança Roberto Nasci­­mento (interpretado pelo ator Wagner Moura) pregava a justiça nas comunidades em Tropa de Elite 2, o Bope de verdade impôs a mais dura derrota ao tráfico com a retomada do Complexo do Ale­­mão, no início do mês, no Rio de Janeiro.

Apesar de fictício, a personalidade do ano fracassou em uma rebelião no presídio de Bangu 1. Deu a volta por cima. Foi promovido. Venceu a guerra contra o tráfico de drogas. Batalhou contra as milícias. Combateu os problemas éticos da Polícia Militar carioca e foi à luta contra o sistema. Na continuação do longa-metragem mais polêmico dos últimos anos, que atingiu a marca de 11 milhões de espectadores, Nascimento assume um papel menos agressivo, entretanto não menos complexo. Os dramas pessoais, as angústias e as crises existenciais persistem.

Emotivo e irônico, os brasileiros transformaram-no em um he­­rói. Suscetível a críticas e elogios, o fenômeno Nascimento é tão grande que, apenas em um site de relacionamento da internet, é possível encontrar mais de 100 comunidades com Nascimento no título.

O ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho questiona o mito criado em torno de Nascimento. "O capitão Nascimento é criação midiática. Nascimento representa uma ética que a população brasileira estimula e aplaude. A ética de que matar pode, mas roubar não. A população acha que bandido bom é bandido morto", afirma. Segun­­do o ex-secretário, as autoridades devem resistir ao pensamento de Nascimento. Para exemplificar, ele cita a invasão do Complexo do Alemão. "Segurança pública é algo muito mais sério e complexo do que ir lá e invadir", diz.

O personagem do capitão Nascimento, no primeiro filme, desperta uma reação mais acalorada do público. Na figura do justiceiro insensível e honesto, ele vai ao encontro dos anseios dos espectadores. O principal deles, a solução do problema da violência urbana através do aumento da repressão, mesmo na base de tortura ou morte. Para os policiais e para a sociedade, tudo é perdoado em troca da confiabilidade ética.

No segundo filme, já então coronel e subsecretário, Nasci­men­­to vê em um convite a oportunidade de enfrentar o tráfico. Mas, na medida que o tempo passa, ele percebe que o inimigo é muito maior e complexo do que imaginava. Além dos problemas éticos que ele enfrenta na corporação, Nasci­­mento luta para reconquistar a atenção do filho, que está magoado pelas atitudes do pai.

Na opinião de Pedro Bodê, professor do Centro de Estudos em Se­­­­gurança Pública e Direitos Hu­­ma­­nos da Universidade Federal do Paraná, existem dois Nascimen­­tos: o do primeiro e o do segundo filme. "O Nascimento do primeiro, violento, empolgou muito mais a população. Uma sociedade institucionalmente violenta produz pessoas que querem saídas violentas. É o absoluto senso co­­mum de quanto mais violência, melhor", explica.

Para ele, o coronel Nascimento, no segundo filme, descobre que o problema é muito maior. Descobre que matar traficantes é enxugar gelo. "O problema está no que ele mesmo chama de ‘sistema’. O segundo Nascimento é a despolitização da segurança pública. Ele trata a segurança de forma mais técnica, menos política. Se a população aderir ao Nascimento do segundo filme, está no caminho certo. Se for do primeiro, é um equivoco, tanto que até o próprio personagem reconhece isso. Mas é uma infantilidade transformá-lo em herói", conclui.

De acordo com Bráulio Manto­­vani, roteirista dos filmes Tropa de Elite 1 e 2, o personagem Nasci­­men­­to tem características marcantes: têm princípios rígidos e age com integridade, segundo esses princípios. Ele não teme desafiar seus superiores para defender o que ele considera correto. Ao mesmo tempo, seu rigor o impede de problematizar suas próprias crenças e valores. "Nas­cimento é capaz de cometer atrocidades em nome de uma causa que considera justa. Com a iminência [e a felicidade] de se tornar pai, Nascimento reage inconscientemente às suas próprias ações violentas: treme, tem crises de pânico, sente culpa [cena em que a mãe do fogueteiro vai pedir-lhe ajuda para encontrar o corpo do filho que ele deixou à mercê dos traficantes]", afirma.

Segundo o roteirista, em Tropa de Elite 2, Nascimento ganha uma nova qualidade: é capaz de questionar sua visão de mundo e aliar-se a um adversário em nome do bem comum (e também pelo amor que sente pelo filho). "Ele se humaniza, por assim dizer. E é graças a essa transformação que ele consegue enfrentar um inimigo maior que ele: o sistema", diz.

Mantovani afirma que nunca imaginou que Nascimento se tornaria um personagem antológico. "E não estou certo de que isso aconteceria sem a contribuição do talento de Wagner Moura", revela.

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