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“Chamavam a gente de Osterlixo”, lembra seu Chiquinho, sobre o apelido que causava graça em ninguém do Campo Cerrado. | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
“Chamavam a gente de Osterlixo”, lembra seu Chiquinho, sobre o apelido que causava graça em ninguém do Campo Cerrado.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

A Vila Campo Cerrado está em festa. No último dia 10 de abril, a comunidade surgida em 1990 foi regularizada pela prefeitura. Um total de 474 famílias é oficialmente dona dos terrenos de 8 X 20 metros – às vezes um pouco mais do que isso – espalhados por ruas tortas. Sim, diferente do 23 de Agosto, o “Campo” não parece nascido da pena de um urbanista. E essa é a sua graça.

No final da década de 1980, caminhões e caçambas usavam a região entre a linha do trem, o Arroio Sítio Cercado e um loteamento vizinho – a Vila Osternack – para fazer o serviço sujo. Restos da construção civil eram atirados ali, sem fiscalização. Era uma área particular, mas todos os poderes constituídos só se deram conta quando os ocupantes chegaram e se abancaram por cima dos destroços. Foi um deus-nos-acuda, um “atentado” ao civilizado projeto Bairro Novo.

Para tornar a situação ainda mais complicada, a turma que ocupou o Campo Cerrado não vinha de sólidas discussões comunitárias e religiosas, a exemplo dos moradores do 23 de Agosto. “Cada um veio de um lugar diferente. Puxava-se um fio se demarcava o terreno de qualquer jeito. Diziam ‘e meu’. E assim foi nosso começo”, lembra um dos moradores símbolos da vila, o operário de obra Francisco Ramos, 60 anos, natural de Siqueira Campos – no Norte Pioneiro –, mas conhecido como seu Chiquinho. Fosse um reino, ele seria o rei, merecedor dos 11 anos à frente da associação de moradores.

Tudo jogava contra – a falta de vínculos, o pouco apoio, o terreno que parecia uma cratera lunar. Pois foi justamente o monte de entulhos que acabou “quebrando o gelo”, de modo a fazer do Campo Cerrado a comunidade que é hoje: pequenina e valente. “A gente cavava para colocar as estacas e formava um buraco mais fundo que o outro. Teve de ser no braço. Até a largura da rua nós é que decidimos”, conta Chiquinho, incluindo que um braço ajudou o outro. Se não havia laços até aquele momento, a partir do mutirão, passaram a existir.

O problema foi a espera – quase 25 anos até a regularização. Houve quem desanimasse, o que não ajudava na resolução dos problemas. Difícil, por exemplo, mudar o hábito de jogar lixo por ali. Tanto é que as reuniões comunitárias, por um bom tempo, aconteciam do lado de uma caçamba gigante, na beira do rio. Outro dilema – o preconceito. “Chamavam a gente de Osterlixo”, lembra seu Chiquinho, sobre o apelido que causava graça em ninguém do Campo Cerrado.

Só tinha uma saída – brigar, o que ele tinha aprendido nos tempos em que viveu na Vila Formosa, áreas das mais escoladas no assunto moradia. Foi assim que apareceu a pracinha, os programas ambientais e a vida em torno da Capela São Judas Tadeu. À semelhança da vizinha 23 de Agosto, o Campo Cerrado desafia a hegemonia evangélica das periferias. É uma vila com alta porcentagem de católicos, inspirada nas sólidas doutrinas sociais da Igreja. A religião ajudou a vencer o isolamento: a comunidade ande de braço dado com a Paróquia São Pedro do Umbará, bairro tradicional que, décadas atrás, não recebeu os novos moradores de braços abertos.

No mais, times como Os Meninos da Bola e Amigos do Jardim Campo Cerrado aumentam suas torcidas. É bem curioso – em meio à imensa periferia, cada vez mais imersa nos hábitos da cidade grande, o “Campo” tira proveito de estar espremido entre o arroio, a linha do trem e vizinhos como o Sítio Cercado. O campo de futebol agora ocupa o lugar da caçamba de lixo. É o melhor ponto de reunião, seu recado para quem quiser ver: ali é uma vila.

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