O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo (OAB-SP), Luiz Flávio Borges DUrso, defende a criação de presídios municipais e a terceirização de penitenciárias como forma de resolver parte dos problemas atuais do sistema prisional brasileiro. Problemas que estão entre os principais responsáveis pelas duas ondas de violência promovidas este ano por parte de membros do PCC (Primeiro Comando da Capital) em São Paulo. Os atentados trouxeram à tona, entre vários outros assuntos, a questão do respeito aos direitos humanos dentro das penitenciárias. Neste ponto, DUrso é categórico: "Há violações no Brasil inteiro".
O tema será debatido a partir de hoje em Curitiba, durante o Encontro Brasileiro de Direitos Humanos, do qual o presidente da OAB-SP é um dos conferencistas.
Veja os principais trechos da entrevista concedida com exclusividade à Gazeta do Povo.Os atentados em São Paulo levantaram dúvidas sobre o respeito aos direitos humanos dos presos. Eles estão sendo respeitados nas penitenciárias paulistas?No mesmo tom do respeito que os outros estados também destinam aos presidiários. No Brasil inteiro temos violações de direitos humanos, que ocorrem diariamente dentro do sistema prisional. Já foi pior. Há hoje mecanismos de controle. Hoje a sociedade se organiza. Os observadores do respeito aos direitos humanos reagem. Mesmo assim, ainda há bastante desrespeito. O sistema penitenciário do Paraná também está nessa situação?Eu destaco no Paraná o modelo de Guarapuava, terceirizado, que eu defendo [a prisão foi criada em 1999; já nasceu sendo administrada pela iniciativa privada]. O que está acontecendo ali merece atenção. As unidades terceirizadas podem representar um subsídio a mais ao sistema estatal, na tentativa de impor a pena de prisão à criatura humana sem que o sistema venha a piorá-la. O senhor sabia que o estado do Paraná está retomando as unidades terceirizadas?A experiência que eu tenho acompanhado desde a instalação me dá conta de sucesso em várias aspectos de tratamento do preso no tocante ao trabalho, à educação, à assistência médica e isso nessa co-gestão com a iniciativa privada. O estado na verdade não saiu dessas unidades, ele simplesmente chamou a iniciativa privada para realizar o serviço. O modelo estatal pleno já deu ampla demonstração ao longo da história da sua ineficiência. Eventualmente, se a experiência do Paraná for extinta, penso que estaríamos impedindo que uma experiência preciosa venha a confirmar ou depois a negar toda essa esperança que ali está sendo depositada.Como fica a questão dos direitos humanos dos presos dentro da nova concepção de penitenciárias federais, como a de Catanduvas?Uma coisa são as unidades administradas pelo estado. Outra coisa são as unidades administradas pela União. Agora, temos uma outra. Eu ainda advogo a possibilidade de unidades administradas pelo município. Alguns teriam essa capacidade. Em termos de arquitetura prisional, estrutura física, elas não têm distinção significativas. O que vai diferenciar é a inspiração na administração, que aí sim vai trazer modificações profundas de como tratar o preso. A ressalva que faço é que deve ser observado, como em todas as outras unidades, a Lei da Execução Penal.O que levou o PCC a realizar duas ondas de violência em três meses em São Paulo?O crime organizado, num dado momento, passou a desafiar o Estado para coibir as forças do estado a não fazer ou fazer alguma coisa que o crime organizado desejasse. A motivação foi muito mais uma demonstração de força, desafio, do que algo que pudesse estar traduzindo uma prática permanente da atividade do crime organizado. Ele procura dinheiro, não procura encrenca. Dinheiro de origem ilícita. Quanto mais sossegado, quanto menos problema existir nessa sua atividade, eles entendem ser melhor. Desafiar o Estado tem um custo para eles. No primeiro episódio, eles tentaram intimidar o Estado para que não fosse realizadas as transferências para (o presídio de) Presidente Bernardes. No segundo, a imprensa noticiou que o objetivo seria impedir as transferências para Catanduvas. Como combater os atentados e a ação do crime organizado?Chegamos onde chegamos por um descaso das autoridades, em todos os níveis, dando as costas ao sistema prisional, admitindo que ali havia um depósito de pessoas condenadas, que cumpririam suas penas e depois num dado momento futuro voltariam a vida em liberdade e só nesse momento o estado passaria a se preocupar com elas, isso se viessem a delinqüir.
O descaso por décadas foi propiciando a organização interna nas cadeias, que, aliás, existe no mundo inteiro. Todas as unidades prisionais do mundo têm as suas gangues, seus grupos para proteção, autoproteção e exercício de poder dentro da unidade prisional. Só que aqui passamos dos limites. Esse grupos ganharam um raio de ação muito além da unidade prisional. Passaram a se articular, inclusive por mecanismos de informação que é o celular poderosíssimo. Daí a possibilidade de arquitetar crimes, inclusive fora das prisões. Isso preciso ser revertido. O Estado precisa combater a superlotação, utilizar-se dos mecanismos que a legislação já contempla, de penas alternativas, punindo todo mundo, mas reservando a cadeia exatamente para quem efetivamente precise estar preso. A possível transferência de líderes do PCC para a Penitenciária Federal de Catanduvas, no interior do Paraná, será um alívio para a população de São Paulo?Em termos de administração prisional, as autoridades nessa área têm dito que isso é importante. Agora, se isto trará paz às ruas, é uma conseqüência que só vamos experimentar depois que as medidas forem tomadas.A transferência pode mudar o alvo de futuros ataques do crime organizado?O que nós vimos no primeiro ataque foi que os alvos foram agentes e seguranças do estado. Eles foram surpreendidos por essas ações. No segundo ataque já houve uma diversificação de alvos, buscando aqueles com menor potencial de resistência ou de reação, como ônibus, agências bancárias, supermercados. Então são alvos em que a reação previsivelmente é muito baixa, não arriscando o agente do atentado. Essa é uma mudança que o crime organizado usou como estratégia para se proteger.Houve algum excesso na reação da polícia contra os ataques por causa do número de mortes?A quantidade de mortes, por si só não é dado para se concluir se houve excesso. O estado está legitimado para agir com força na proporção necessária. Eventualmente se houve algum excesso, ele deverá ser punido.
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