Observado pelo retrovisor, o ano que termina tinha tudo para deixar uma imagem negativa: praias sujas no verão (logo em janeiro), a seca assustando o Paraná até outubro, ataques do PCC como presente de Dia das Mães em São Paulo e agora o terrorismo no Rio de Janeiro (situações que espalharam o medo no país inteiro), o fiasco retumbante da Seleção Brasileira na Copa da Alemanha. De Brasília, vieram os escandâlos do mensalão, dos sanguessugas e os dossiês misteriosos. Nas eleições, vários políticos acusados de corrupção foram reconduzidos aos seus postos nas eleições. Para arrematar o ano, os deputados federais tentaram se autoconceder um superaumento de salário, com efeito cascata na maioria dos estados. Teve mais: o trágico desastre da Gol, a apagão aéreo...

CARREGANDO :)

Com tanta coisa ruim, por certo os curitibanos devem ter ficado tristes este ano... Nem tanto. A pedido da Gazeta do Povo, o instituto Paraná Pesquisas foi às ruas da capital e ouviu 700 pessoas, entre os dias 15 e 17 de dezembro. Descobriu que os moradores da cidade estão bem contentes. Nada menos que 71,14% dos entrevistados disseram que terminam 2006 mais felizes do que estavam no fim do ano passado.

Ok, nada impede que você se sinta feliz mesmo com o país cercado de lama. Além disso, já temos cinco canecos, uma Copa a mais ou a menos não faz tanta diferença assim; a estiagem acabou e a eleição já era (para o bem e para o mal). São situações que compensam as agruras. Mas a felicidade do curitibano vai além. A maioria (56,7%) diz que – além de mais feliz – 2006 foi, de modo geral, melhor do que 2005. E olha que 70,6% dos entrevistados afirmam ter realizado só metade ou menos da metade das coisas que haviam planejado fazer durante o ano.

Publicidade

Divã

Para a psicóloga comportamental Ana Paola Lubi, as pessoas mais felizes não são necessariamente aquelas que cumpriram o que planejaram, mas "as que têm maiores redes sociais, ou seja, convivem com amigos, família, e alimentam a vida afetiva". O levantamento mostra também que nesse item o curitibano está mais sociável do que reza o senso comum: 53,43% dos entrevistados afirmaram ter feito mais amizades este ano em relação ao ano anterior.

De acordo com outra psicóloga, Tânia Madureira Dallalana, que trabalha no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a popularidade do ano que se esvai tem a ver com um certo amadurecimento dos moradores. "É o início de um processo reflexivo maior, que dá essa sensação [felicidade] às pessoas", diz ela. "Elas sentem-se mais donas das próprias escolhas."

Tânia também arrisca uma explicação para o fato de o baixo índice de realizações não ter se refletido em infelicidade em 2006. "Nem sempre conseguimos realizar nossos sonhos, mas me parece que as pessoas estão tendo a dimensão do que é possível conseguir, uma noção mais clara do que cabe a cada um, com o que ou quem estamos lidando", analisa. "E o fato de saber o nosso tamanho nos dá uma certa sensação de poder, que se traduz nessa satisfação."

Já Tatiana Centurion, psicóloga especializada em terapia familiar, acredita que o clima de fim ano "contaminou" as respostas dadas na pesquisa. "Nesta época as pessoas até costumam dizer mais ‘bom dia’, se sentem melhor, ficam mais bonitas, e isso pode ter alterado a percepção sobre o ano."

Publicidade

Ela vai além: "Apesar de todos os problemas, o brasileiro pôde consumir um pouco mais. Talvez essa percepção de felicidade e bem-estar esteja relacionada ao consumo e às questões materiais", avalia. "Na clínica, não percebo essa felicidade – ao contrário, as pessoas estão usando mais antidepressivos, sentindo-se mais angustiadas. Mas talvez o fato de ter conseguido comprar um carro novo faça a pessoa se sentir melhor no fim do ano."

A explicação da psicóloga e professora da UFPR Lídia Weber é bem mais simples e intimista: "Talvez a vida pessoal dessas pessoas este ano tenha sido muito boa, e isso tenha superado todas as dificuldades sociais", diz ela. "O que mais nos gratifica é amor, afeto e atenção, é isso que nos traz felicidade. Nesse sentido, os curitibanos talvez estejam aprendendo a ver as coisas simples e boas da vida."