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o debate essencial
Fernando Toller, Todd Henderson, Marcel van Hattem e Patricia Blanco no primeiro painel do congresso “Liberdade de Expressão: o Debate Essencial”.| Foto: Paulo Ivan Dybas

No ano passado, em julgamento que resultou na censura prévia de um documentário da empresa de mídia Brasil Paralelo, uma ressalva feita pela ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Cármen Lúcia ao concordar com o veto ao filme entrou para a história do Judiciário brasileiro: "Vejo isso como uma situação excepcionalíssima", afirmou.

Esse e outros acontecimentos dos últimos anos no Judiciário têm suscitado uma questão na comunidade jurídica e nos meios de comunicação: há circunstâncias que poderiam justificar uma restrição da liberdade de expressão fora daquilo que a lei já prevê? Para os debatedores do primeiro painel do evento "Liberdade de Expressão - O Debate Essencial", a resposta é não.

O evento foi organizado pela Gazeta do Povo e pelo Ranking dos Políticos com o apoio do Instituto Liberal, do Instituto dos Advogados do Paraná e da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados (Fenia). Vozes influentes no tema da liberdade de expressão do Brasil e do mundo participaram de seis painéis nos dias 27 e 28 de setembro.

"Não há que ocorrer uma exceção que não esteja dentro dos ditames constitucionais. Não em uma democracia – pelo menos da típica, liberal e constitucional. É preciso criar regras claras a serem seguidas. Em caso de tensão política, quem resolve isso é a política", afirmou o deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) ao abrir as discussões.

O americano Todd Henderson, especialista em Direito Societário e professor da Universidade de Chicago, ressaltou que "o melhor remédio para a mentira é a verdade", e não a supressão do discurso. Ele destacou que a tentação de criar mais exceções à liberdade de expressão aumentou com a internet.

"O problema é universal, não é específico do Brasil e não vai acabar em breve. O problema é que o poder disruptivo das novas tecnologias redefiniu quem pode ser ouvido e por quem. E isso foi amplificado em uma escalada alucinante. Há novas opiniões se espalhando pelo mundo", comentou Henderson.

Para ele, a situação tende a se agravar, trazendo o risco do surgimento de mais restrições. "A inteligência artificial e os fakes, e a capacidade de as pessoas colocarem palavras na boca de outras pessoas e fazê-las parecerem verdadeiras, essa tecnologia está passando por um avanço frenético, e não há nada que qualquer um de nós possa fazer para detê-la. Então, vai piorar. E a reação, historicamente, a qualquer nova tecnologia é sempre medo e desespero", recordou o especialista, citando os exemplos históricos da invenção da imprensa e do rádio, que também resultaram em tentativas de relativizar excepcionalmente os princípios da liberdade de expressão.

Único remédio contra a proliferação de "exceções" é preservar os princípios

Henderson considera que a única saída para evitar a proliferação de exceções à liberdade de expressão é lutar para preservar princípios, independentemente de quem esteja no poder.

"Dizer que os líderes políticos, sejam eles os tribunais do Brasil ou os políticos do meu país, deveriam ser capazes de regular o discurso, é dizer que precisam determinar o que é a verdade. E isso é muito perigoso. O governo tem o monopólio da violência. Eles podem tirar minha liberdade. Eles podem oprimir o povo. E as únicas pessoas, a única entidade no Brasil ou no mundo que determina o que é verdade somos todos nós juntos, no mercado de ideias", afirmou.

Patricia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, também destacou a importância de garantir que os princípios constitucionais sejam preservados. "A liberdade de expressão não é só o direito de falar. É também o direito de ouvir o outro expressar suas posições, mesmo que essas posições não sejam aquelas que eu aceito ou com as quais comungo", comentou.

O jurista argentino Fernando Toller, professor de Direito Constitucional da Universidade Austral, disse ter ficado surpreso com as exceções à liberdade de expressão criadas pelo Judiciário brasileiro ao estudar os casos propostos para debate no evento. "O sistema judicial, paternalisticamente, trata o discurso como algo tóxico. 'Você não pode consumir isso porque você vai morrer', como [se as pessoas fossem] bebês", comentou.

O Judiciário criar exceções pelo temor de que notícias tenham influência sobre o debate público, para ele, é um contrassenso. "O que se faz em uma eleição presidencial se não tentar influenciar a população tentando atraí-la para as próprias ideias?", questionou.

Toller classificou o caso da censura à Gazeta do Povo pela postagem relacionando o presidente Lula ao ditador da Nicarágua Daniel Ortega como "uma barbaridade".

O melhor caminho para evitar a proliferação das exceções, na visão de Henderson, é que as pessoas "valorizem a liberdade de expressão nos seus corações", mais do que em leis ou em decisões judiciais e políticas.

"A liberdade de expressão estará sempre sob a ameaça dos interesses de poderosos que querem suprimir ideias em benefícios próprio", comentou. "Só se as pessoas sentirem realmente a importância do conceito do mercado de ideias é que ele sobreviverá. Isso é um projeto que vai muito além de um projeto de lei. É convencer cada nova geração de que isso é algo essencial para o florescimento humano, porque os ventos vão soprar mais forte em alguns momentos, e há o risco de que apaguem esse fogo. E realmente precisamos ter certeza de que as brasas desse fogo mantenham sua força nos corações das pessoas."

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