Bloquear contas em redes sociais é uma sanção razoável diante de um abuso da liberdade de expressão? Essa questão norteou o quinto painel do evento "Liberdade de Expressão: O Debate Essencial", na semana passada.
Organizado pela Gazeta do Povo e pelo Ranking dos Políticos, o evento conta com o apoio do Instituto Liberal, do Instituto dos Advogados do Paraná e da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados (Fenia). Vozes influentes no tema da liberdade de expressão do Brasil e do mundo participaram de seis painéis nos dias 27 e 28 de setembro.
Em junho do ano passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes ordenou o bloqueio de contas nas redes sociais do Partido da Causa Operária (PCO), em decisão que perdurou por mais de oito meses e só foi suspensa em fevereiro deste ano. O motivo: a legenda havia feito críticas duras ao Supremo e levantado dúvidas sobre o sistema eleitoral brasileiro.
"É preciso adotar uma política concreta contra a ditadura do STF. Lutar pela dissolução total do tribunal e pela eleição dos juízes com mandato revogável", disse o PCO sobre a Corte. "Em sanha por ditadura, skinhead de toga retalha o direito de expressão, e prepara um novo golpe nas eleições", afirmou o partido sobre Moraes.
À luz desse caso, um painel formado pelos juristas Luiz Guilherme Marinoni – professor de Direito Processual Civil da UFPR e pós-doutor pela Universidade Estatal de Milão e pela Columbia Law School –, Jónatas Machado – professor e diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra – e Todd Henderson – especialista em Direito Societário e professor da Universidade de Chicago – e pelo deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) discutiu se o bloqueio de redes sociais pode ser razoável em alguma situação, e se realmente houve abusos no caso do PCO.
Os debatedores convergiram sobre o fato de que a manifestação do partido não merecia qualquer sanção, porque não extrapolou os limites da liberdade de expressão; também concordaram que, mesmo em caso de um eventual abuso real do direito à expressão, o bloqueio de contas nas redes sociais não seria a sanção razoável.
Marinoni afirmou que a decisão judicial que bloqueou as contas do PCO fere as três sub-regras do princípio da proporcionalidade do Direito: é inadequada, desnecessária e desproporcional (em sentido estrito).
"Não é adequado restringir a liberdade de expressão para se controlar a racionalidade do discurso público", afirmou. "O único fim adequado que justifica a restrição da liberdade de expressão é uma necessidade pública urgente evidenciada por fatos."
O jurista também ressaltou que "não é proporcional nenhuma medida destinada a restringir direito fundamental que não gere a menor restrição possível ao direito que está sendo controlado". "O juiz tem a obrigação de tentar olhar para todas as medidas, buscando uma menos restritiva", disse.
O problema de fundo, segundo Marinoni, é que o Supremo abandonou a interpretação de princípios gerais e passou a legislar sobre casos pontuais, o que resulta em imprevisibilidade e insegurança jurídica.
Comentando o mesmo problema, Jónatas Machado destacou que "um órgão judicial que deveria aplicar leis gerais e abstratas se torna um grande inquisidor que define subjetivamente e arbitrariamente qual é o discurso incômodo e quais são as leis para coibir esse discurso".
Para Marinoni, uma decisão "mais restritiva seria impossível". "O STF deveria dar a oportunidade de corrigir o comportamento – partindo do pressuposto de que foi um comportamento ilícito –, e jamais deveria fazê-lo ex officio [sem ser provocado]." Além disso, na visão do jurista, a liberdade de expressão jamais pode ser restringida antes de se dar uma possibilidade de correção do comportamento.
"Direito de ser ofendido" faz parte da liberdade de expressão
Marcel van Hattem criticou o fato de ter havido no Brasil "um partido político que não pode se comunicar com seus eleitores". Para ele, decisões contra a liberdade de expressão deveriam se limitar a casos "muito específicos e demarcados".
O deputado também lamentou o fato de o Supremo ter agido sem provocação, como tem feito em diversas outras decisões. Há, segundo ele, no Judiciário brasileiro, um "abuso de autoridade que vai muito além do ativismo judicial".
Todd Henderson destacou que muitas das decisões restritivas à liberdade de expressão no Brasil e nos Estados Unidos têm sido aprovadas por grupos políticos que antes diziam valorizar esse direito fundamental, como adeptos de ideologias de esquerda.
Isso revela, segundo Henderson, uma falta de adesão a princípios, que gera o risco de depositar autoridade demais nos detentores momentâneos do poder. O problema de deixar a censura nas mãos do Estado, recordou o jurista, é que o governo é uma mera abstração constituída, na realidade, por pessoas com suas idiossincrasias.
Na mesma linha, Jónatas Machado destacou a importância de princípios, o que implica aceitar em um debate "mesmo aquelas ideias que achamos incômodas, ofensivas". "Recentemente, um professor belga me dizia: 'eu tenho o direito de ser ofendido'", relatou Machado para indicar a radicalidade com que se deve encarar o princípio da liberdade de expressão.
O jurista português também apontou o risco de se retorcerem os princípios por meio de conceitos vagos e subjetivos, algo cada vez mais comum em tribunais no Brasil e no mundo. "Não se podem trazer conceitos ideologicamente carregados, que são de luta política, com pouco ou nada de jurídico, para permitir uma censura, como uma rede que apanha alguns tipos de peixes e deixa outros. Deve haver um cuidado com essa malha de restrições", observou.
Para ele, "não pode haver um tribunal que governa por decretos imprevisíveis, surpreendentes". "A liberdade é regra e deve ser interpretada em sentido amplo", concluiu.
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