Há 11 anos, todo dia é a mesma coisa: Vanice Hammerschmitt, 54, chega ao trabalho, acomoda-se em sua mesa e começa seus afazeres. O interfone toca: “Posso ir aí conversar um pouquinho?” Vanice sempre pode. Quem quer tocar figurinhas com ela são as moradoras do condomínio onde a gaúcha de Santo Cristo, curitibana há 22 anos, trabalha como porteira e a quem consideram uma amiga – pelo menos duas dessas amizades hoje ultrapassam os limites do prédio e do horário comercial. “Muitas vezes elas precisam desabafar e descem na portaria para conversar. Eu escuto, comento, divido meus problemas também. Às vezes, a vida não é fácil. Preciso dividir os problemas e o peso das coisas. Todos precisam.”
Vanice acerta em cheio: embora os amigos costumem ser negligenciados em função de outras exigências da vida adulta, esse tipo de vínculo supre uma demanda emocional que outros relacionamentos não satisfazem da mesma forma. De acordo com a psicóloga Luciana de Souza, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as amizades se transformam com os anos, mas as expectativas sobre elas não mudam. Independentemente da idade, as pessoas desejam de seus amigos intimidade, companheirismo, segurança, auto validação e ajuda.
“O que diferencia os tipos de amizade é a intensidade desses aspectos: por isso temos amigos casuais e bons amigos. Uma amizade íntima demanda tempo para se desenvolver, porque é preciso conquistar o outro. E a conquista é bidirecional – quando ambos são conquistados, começa a construção da intimidade e a auto revelação.”
Amizades entre adultos é mito?
Na hierarquia das relações adultas, as amizades são relegadas aos últimos lugares – relacionamentos românticos, familiares e até mesmo de trabalho acabam sendo priorizados. A vida urge e não há tempo para amigos – alguns dizem. Outros recorrem às mudanças de temperamento e personalidade para justificar o afastamento. Mas especialistas apostam que a fragilidade da amizade é um problema formal: ao contrário das demais relações que são involuntárias, como as familiares, ou necessárias, como as de trabalho, as amizades são opcionais e, sem obrigações formais para com alguém, os laços são negligenciados.
“O investimento na família, no trabalho e em si próprio altera a distribuição de recursos pessoais como tempo e interesse. Dá para fazer amizades novas na adultez, mas conquistar bons amigos é uma tarefa mais árdua, que requer mais comprometimento e tolerância”, explica Luciana. Por isso, é mais fácil manter amizades de longa data, cuja base de confiança e intimidade já foi construída, ainda que a dinâmica da vida adulta modifique a prática desse relacionamento.
Tudo novo, de novo
Mas como se faz novos amigos em meio a trabalho, faculdade, família, mudanças de toda ordem? Luciana aconselha aos tímidos e solitários a buscar espaços de lazer para ampliar o círculo de amigos e conhecidos. Espaços nos quais se reúnem pessoas com interesses comuns, como escola de dança, quadra de esporte, coral da igreja, são os mais adequados para promover esse encontro. “Compartilhar interesses é um dos pilares básicos das interações humanas.”
Foi assim, preenchendo todos os espaços vazios da agenda, que Maria Salete Piekarski, 47, superou o fim de um relacionamento de 12 anos e a solidão – consequência do isolamento ao que se submeteu enquanto foi casada. “Quando me dei conta, tinha só duas amigas. Fui para a terapia.”
Do divã, Salete foi para a natação, para o pilates, para a meditação, para um grupo de mulheres e para um curso de inglês; recuperou o telefone de duas amigas da juventude, distanciadas pela vida. Retomou as rédeas. “Foi um processo de reconquista da autoestima e de auto conhecimento. Hoje me sinto forte, segura, amparada. Dia desses fiquei conversando até às 5 horas da manhã com uma amiga do inglês. Isso é amizade, é não se sentir sozinha.”