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Entrevista

O desafio do novo escudeiro de Lula

Brasília – Desde que assumiu a Secretaria da Comunicação de Governo (Secom), no fim de março, o jornalista Franklin Martins tem dado expediente diário, das 8h30 às 22h30, no segundo andar do Palácio do Planalto. Considera indispensável essa jornada para tocar adiante as tarefas que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lhe deu. Entre outras, cuidar da publicidade do governo, tocar um polêmico projeto de criação da rede pública de tevê e melhorar as relações do governo com a mídia.

Para evitar desgastes como o de 2005, em que a área de publicidade do governo viu-se envolvida no escândalo do mensalão, Franklin tomou uma atitude radical. Enquanto for ministro, a agência de publicidade que participou da campanha da reeleição de Lula não terá contas no governo federal. "Asseguro que no governo federal a vencedora não terá nenhuma conta". Ele terá R$ 140 milhões para fazer a publicidade institucional neste ano.

Nesta entrevista, Franklin defende a criação da rede pública de tevê e afirma que sua programação deverá ser voltada para as questões culturais e sociais do país. Ele fala ainda de seu passado político e da participação no seqüestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em 1969.

Como o senhor fará para evitar que o setor de publicidade seja alcançado por fatos como os de 2005, quando a Secretaria da Comunicação de Governo (Secom) foi acusada de ter beneficiado o empresário Marcos Valério?Franklin Martins – Acho que a publicidade tem de ser totalmente transparente. Defendo que agências que participaram de campanhas de um candidato que tenha vencido a eleição não tenham conta do governo federal. Asseguro que do governo federal a vencedora não terá nenhuma conta. O próprio marqueteiro que fez a campanha da reeleição – João Santana – acha que não deve participar.

Isso inclui as empresas estatais?Inclui, claro. Acho que elas também devem seguir esse critério de não entregar contas de publicidade às agências do candidato vencedor.

E como será a distribuição da publicidade estatal na mídia?A orientação é de que o critério de mídia na publicidade seja técnico. Isso quer dizer que os jornais terão participação compatível com sua circulação. As tevês, com sua audiência. Não cabe ao governo regar ou plantar jornais favoráveis nem criar problemas para ninguém. O governo precisa da mídia. É claro que ele vai olhar para o objetivo que quer atingir e aí decidirá onde vai concentrar a sua divulgação.

Como o senhor vê a crítica feita durante toda a administração do presidente Lula de que a comunicação do governo é deficiente?Todos nós tivemos deficiência de comunicação nos últimos tempos. Passamos por uma crise política brutal, momentos de absoluta selvageria. O governo reagiu a essa crise se colocando numa posição defensiva. Acho que não foi o melhor. O melhor seria se o governo tivesse travado uma disputa aberta, frontal. Já boa parte dos órgãos de imprensa partiu para uma posição muito agressiva. Falavam, escreviam o que queriam, o que é próprio da democracia, da liberdade de imprensa, mas muitas vezes também não correspondia aos fatos. Agora o presidente está falando mais com a imprensa. Neste ano o presidente Lula já deu mais de 30 entrevistas coletivas diferentes. Não é só aquela com a bandeira do Brasil ao fundo, com ritual. São importantes. Porém, mais importante é a pergunta do dia, aquilo que nosso jargão chamamos de quebra-queixo, aquele ataque selvagem de microfones – estamos tentando acabar com aquela chuva de gravadores e microfones, a partir de um dispositivo de acrílico que pode ser montado em qualquer viagem, e que permite uma imagem mais limpa. O presidente está com relações mais fluidas, mais tranqüilas com os jornalistas. Não sou eu quem digo, são os setoristas do Palácio do Planalto.

O senhor é filiado ao PT?Não. A nenhum partido.

O senhor está envolvido no projeto de criação da rede de tevê pública. Já foi escolhido o modelo?O que se pretende é implantar, dar musculatura e força a uma rede nacional de tevê pública. É diferente da comercial que produz conteúdo para atrair audiência e, daí, vender a publicidade. Isso faz com que você viva da ditadura de curto prazo para atrair publicidade. Também é diferente da tevê estatal, onde a programação é basicamente de comunicação de governo e de instituições governamentais. A lógica da tevê pública é fazer uma programação de qualidade, não controlada pelo governo, com um controle social e público. Não é propriedade do Estado, embora este ponha recursos nela.

E como será a sua programação?Ela procura fazer uma tevê de qualidade, com uma programação de caráter cultural, educativo, um jornalismo isento. Procura abrigar as diferenças culturais e regionais do país. É aberta para a produção independente, produz boa parte de seu conteúdo e encomenda também boa parte de produtores independentes. É um modelo que na Europa foi o modelo de implantação na maioria dos países de lá. Só depois veio o modelo comercial. No Brasil impera o modelo comercial, apesar de, nos anos 70, ter-se tentado implantar alguma coisa de tevê pública que não foi muito para a frente (tevês educativas e a TV Cultura). Hoje em dia, nós temos vinte e poucas TVs educativas, culturais, universitárias, mas não constituem uma rede. De um modo geral, estão às voltas com problemas financeiros, de logística, infra-estruturais e equipamentos obsoletos. Não têm condição de se manter porque nunca conseguiram constituir uma rede. A idéia do governo é, partindo das estruturas de que já dispõe, constituir uma espinha dorsal dessa rede.

Não há risco de que emissoras possam ser utilizadas politicamente por determinado governante ou partido?Acho que você pode construir um modelo onde só participarão da rede aqueles que evoluam para um modelo de gestão pública. Se for um modelo de gestão em que o palácio do governador manda na emissora, na cobertura, e não tem nenhum tipo de controle público, não fará parte dessa rede. Você assinará acordos. O princípio é de que é uma tevê pública e não uma tevê de Estado.

O senhor foi um importante adversário da ditadura. Pegou em armas, participou do seqüestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em 1969. Ao tomar posse, o senhor disse que havia lutado pela democracia. Mas lutava por um regime de esquerda, que no fundo defendia a ditadura do proletariado. O senhor lutava mesmo pela democracia?Acho que todo mundo que lutou contra ditadura no Brasil estava do mesmo lado. Alguns queriam ir além do fim da ditadura; outros achavam que bastava o fim da ditadura; outros que bastava dar uma melhoradinha na ditadura que estava bom. Eu tenho muito orgulho de minha militância política. Não sou um sujeito de ficar apregoando, batendo no peito. Tenho certo pudor de posar de alguma coisa. Eu e outras pessoas que lutaram contra a ditadura e que lutaram pelo socialismo não fizemos mais do que nossa obrigação. Eu lutei contra a ditadura e pelo socialismo. Não penso mais o que eu pensava antes. Mas, na questão central naquele momento, que era acabar com a ditadura militar, recorrer a todos os meios que fossem necessários para acabar com ela – vou usar uma palavra da época –, não tenho grandes autocríticas a fazer. Não nego que todos nós cometemos erros. Mas na vida o mais importante não é você ter ou não ter cometido erros. O importante é ter lutado. Eu estive do lado certo. Eu lutei por uma coisa que para mim era fundamental, a democracia. Acho que hoje sou mais democrático do que naquela época. Tenho uma visão de democracia mais completa do que a que tinha na época. Mas ao mesmo tempo continuo lutando por inclusão social, continuo achando o Brasil um país profundamente injusto. Acho que é impossível você ter uma democracia estável num país com a injustiça social que existe no Brasil. E acho que uma das grandes conquistas de hoje é que o Brasil botou a inclusão social na sua agenda e não sai mais. Nós temos uma agenda comum no Brasil, que é uma das maiores conquistas da democracia, algo que construímos quase sem perceber. E que poderíamos ter perdido na recente crise política sem perceber que a tínhamos construído que é uma agenda política comum, de todas as correntes políticas.

Qual?Em primeiro lugar, a democracia, ou seja, queremos resolver nossos problemas pela via democrática. Quem ganhou a eleição leva, quem tem menos voto vai para a oposição, os direitos da minoria devem ser respeitados, os direitos e garantias individuais devem ser respeitados. Segundo: devemos ter moeda, porque aquela fórmula mágica de driblar a inflação se revelou um desastre para o país. Terceiro: queremos ter responsabilidade fiscal, ou seja, o governo não pode sair torrando o que tem e o que não tem. Quarto: queremos voltar a crescer. Moeda é bom, mas tem que crescer, porque um país que tem o estoque de desempregados que tem, um país que tem 1,5 milhão de jovens batendo à porta do mercado de trabalho, tem de (oferecer) oportunidades para que eles possam entrar no mercado. E, quinto, não basta só crescer não. É preciso distribuir renda, diminuir desigualdade.

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