Planejar uma cidade não é tarefa simples. Há muito que considerar, de aspectos topográficos a condição humana, e o desenho urbano é fundamental. Não faz muito tempo que o design despontou efetivamente como solução para as cidades, principalmente na América Latina. “O design funciona como ferramenta para construção das cidades”, afirma o chileno Cristian Montegu Ravinet, presidente da Associação Chile de Design, membro do Conselho Bienal e professor da Universidade Adolfo Ibañez. Em Curitiba para participar da Semana D, evento de design realizado no início de novembro, ele conversou com a Gazeta do Povo sobre design e planejamento urbano.
Como o design é usado para o planejamento urbano do Chile?
A incorporação do design pela edificação urbana é algo bastante novo no Chile, emergente. Creio que parte, primeiro, pela necessidade de escutar as pessoas. Então, há a necessidade de alcançar a participação da sociedade e novos projetos que tenham impacto sobre essa comunidade. Inicialmente, o exercício é simplesmente lhes perguntar um questionário se querem ou não, se preferem A, B ou C. Isso vai nos dar uma direção e serve para avaliar a hipótese. O que queremos com isso é gerar um debate que agregue valor para a comunidade e para o projeto. Também entendemos que uma boa ideia pode vir das pessoas e que elas só se envolvem com o projeto se o tem como próprio. Neste momento precisamos entender que o design funciona como ferramenta para construção das cidades.
Isso tem a ver com algum nicho específico do design?
Sim, com o design da disciplina que eu ministro, que chama service design. Basicamente o que faz é incorporar o conceito de co-criação, da comunidade e seus valores, metodologia criativa (que quer encontrar novas soluções para problemas existentes) e entender a cidade como uma plataforma de serviços. E isso está interligado a entender que estamos em um cenário totalmente novo, em que as pessoas necessitam de coisas novas e onde entendemos a vida de outra maneira. Durante muito tempo, o mais importante foi o lugar privado e hoje em dia se dá muito mais valor ao lugar público.
Durante muito tempo, o mais importante foi o lugar privado. Hoje em dia se dá mais valor
ao espaço público.”
O lugar público mudou?
O lugar público até aqui era entendido de outra maneira. As regras de urbanismo se aplicavam a tudo que era privado, o que se podia ou não fazer. O que ficava de fora eram os lugares públicos. Entender o lugar público como o mais importante, entender que a não propriedade é o mais importante e que as coisas que nos fazem bem, que vão nos gerar bem estar e nos fazer mais felizes são lugares que, na verdade, devemos ocupar e transformar, para que possamos também desenhar um novo espaço.
Para você, o design ainda é mais associado a produto que planejamento?
Há duas coisas. As pessoas, no geral, entendem o design como um elemento estético que se agrega ao final do processo. Mas o design está incorporado no princípio, na forma em que construímos até onde podemos revolucionar, quão criativo pode ser esse espaço. Hoje em dia, efetivamente, isso não é um consenso. A maioria continua entendo isso como um final do processo e o que é mais grave é que nós, designers, continuamos achando que o nosso rol é restrito a parte estética e ao final do processo. No Chile, temos alguns exercícios de consciência. Há agências que convidam a olhar para o uso, em serviços públicos, de soluções mais criativas, que tem claramente uma aproximação com o design. E também temos a incorporação dessa disciplina na formação dos designers. É um processo que está em desenvolvimento. Não creio que possamos dizer que hoje em dia todos são assim, pelo contrário. Creio que a única maneira de ir gerando consciência é fazendo pequenos pilotos. Não é necessário esperar que seja uma política pública que mude tudo. Basta fazer um exercício pequeno em um lugar, um micromundo. Pode ser uma casa, escritório, um clube, uma praça ou um bairro. Quando isso dá resultado, começa a se expandir. Creio que é o que acontece com as boas ideias, que se espalham rapidamente.
O que você nota de diferente entre Curitiba e as cidades chilenas?
Curitiba é uma cidade que tem um planejamento há 50 anos, então, conseguiu um planejamento e desenho urbano como poucas cidades do mundo. Isso se nota. E tem aspectos que são assombrosos: é muito ordenada e possui uma lógica que é notada por qualquer pessoa. Quando essa lógica e ordem não estão muito claras, a nossa natureza é buscar espaços para fazer coisas diferentes. Agora, Curitiba e todas as outras cidades enfrentam uma nova problemática que é as pessoas quererem desenhar seus espaços, por isso que o design é super relevante.
Existem cidades que possuem soluções em design que podem servir de exemplo para outras?
Penso que as cidades que têm bons exemplos de iniciativas de design, em geral, nem sempre têm uma proposta pública, pode ser uma iniciativa que nasce da comunidade. Nesse sentido, poderíamos olhar para alguns exercícios que não necessariamente foram concebidos como um exercício de planejamento urbano, mas que nasceram como um exercício de um grupo de pessoas que pretendem mudar uma condição. Assim como esse espaço entre o público e privado, entre empresas e estado, entre pessoas e empresas, começa a ser mais difuso e mais igual e se requerem essas soluções que são mais sistêmicas e que integram a todos. Então, se podemos olhar para um bom exemplo de cidade, também podemos olhar o que ocorre quando alguém cria uma solução de transporte compartilhado, como o Uber. Qualquer um pode ter um carro e um motorista, mas os têm somente no momento em que o usam, e nos outros momentos se aceita que o outro compartilhe seu tempo e seu veículo. Estou certo de que essas iniciativas existem nos países escandinavos, Holanda, Inglaterra, que incorporaram muitos serviços novos às suas cidades, e são exercícios que nascem dos cidadãos e se transformam finalmente em uma solução para a cidade. E também mostra que já não se sabe onde nasce a política, às vezes nasce dos cidadãos e se transforma em uma política.
Como equacionar os problemas que aparecem com o crescimento das cidades, aumento da população e diminuição das fronteiras?
O grande problema é que são difíceis de encontrar uma solução. Um bom caminho é compô-lo: quais são os pequenos problemas que se têm? Então, uma cidade assim poderia dizer que seu primeiro problema é o transporte. E logo, com isso, poderíamos entender as distintas realidades do transporte. Por que hoje andamos muito de bicicleta, a não ser que não tenhamos crianças pequenas para levar ao colégio? Assim, claramente não se tem uma solução para um problema dessa envergadura. A minha experiência, e o que temos feito, é trabalhar com a comunidade e buscar soluções que levem sentido às pessoas. Quando isso ocorre, aí se torna palpável.
Quais os principais desafios para a América Latina na área de planejamento?
Claramente a América Latina tem um desafio importante que é econômico. A manutenção e desenvolvimento urbano são simplificadas em países que têm mais dinheiro. Por outro lado, as pessoas também têm mais dinheiro. Então, se podem inverter as soluções que são mais completas e caras. Creio que é um grande desafio porque as problemáticas são bem particulares e dentro disso temos problema de pobreza, alimentação, falta de água e isso torna um pouco mais complexo o tema. Porém, temos a vantagem de que há muito para fazer, e quando há muito o que fazer, podemos optar por produzir isso de maneiras distintas. Muitas vezes, tomar o modelo de países desenvolvidos ou de economia desenvolvida é uma má ideia porque é uma realidade muito distinta: ou não funciona porque como cidadãos não somos capazes de entendê-las ou como cidade não somos capazes de ter o recurso para manter e financiá-la. O transporte público de Curitiba é isso: uma solução criativa para um problema local que se tornou exemplo para o mundo.
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