Leoni Granato e as netas Ana Paula e Emília, no Oratório de São Carlos Borromeo: único espaço do gênero protegido| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

Em tempo

Fotógrafo clica capelinhas antes que acabem

Foi olhando "para cima", como diz, que o fotógrafo Cadi Busatto, 50 anos, deu início ao projeto A fotografia da imagem, a ser publicado em livro. O profissional – conhecido por seus trabalhos em publicidade – desenvolve uma linguagem mais autoral ao registrar capelinhas de frontões de casas, comuns em zonas de imigração, como Curitiba.

Para o frei holandês Francisco van der Poel, referência em estudos de religiosidade popular no Brasil, as capelinhas surgiram para pedir proteção divina às residências, mas também funcionavam como iluminação pública. Na falta de postes de luz, os minúsculos oratórios familiares ajudavam as pessoas a se locomoverem à noite.

Cadi teve a ideia de clicar esse fenômeno em 2007. Dois anos depois saiu a campo. Hoje, tem cerca de 200 capelinhas registradas. A captação é feita em horas de folga, geralmente no período do almoço. O resultado surpreende. Aparentemente simples, as capelas domésticas escondem carpintarias muito particulares e pequenos segredos religiosos.

A imagem mais comum é a de Nossa Senhora das Graças – devoção propagada pelos padres e freiras vicentinas, que aqui atendiam os poloneses. No "ranking", seguem São José e Santo Antônio. Mas não é raro encontrar São Jorge, talvez um indicativo da adesão do morador à umbanda ou ao candomblé; ou mesmo nichos vazios, sinal de que naquele endereço pode morar um ateu ou um evangélico.

De qualquer modo, as capelinhas estão com os dias contados. De acordo com Cadi, na capital ainda podem ser vistas nas zonas operárias da primeira metade do século, em bairros como Portão, Pinheirinho e Boqueirão, mas costumam não resistir a herdeiros e a construtoras.

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Aos pés da cruz

Espaços de oração diminuíram distância dos centros religiosos

A Colônia Dom Pedro II, em Campo Largo, tem cinco cruzeiros, proteção garantida em toda a extensão das terras. Os espaços de culto são cuidados pelos moradores que vivem mais perto. Ao todo, são 180 famílias – Mika, Lucik, Gogola, Sikora, Lalik, Antochevis, Gorski e Biernaski, entre outras –, ali instaladas na década de 70 do século 19.

A explicação para tantos espaços informais de devoção é só uma. Por décadas, os agricultores poloneses tinham de ir à missa na Colônia Órleans, o que exigia grandes sacrifícios. Criar espaços de oração mais próximos era uma maneira de manter o fervor da população.

"Não tínhamos relógio. A gente se norteava pelo cantar do galo, levantava e ia a pé até a igreja. Difícil", lembra Bárbara Belinoski, 84 anos, há 66 cuidadora de um dos cruzeiros da Dom Pedro II. É de todo mundo, mas ela zela como se fosse seu, com a ajuda da nora Ida, 41 anos. "Nossas rezas aqui já salvaram a colônia muitas vezes. Pedimos chuva. A chuva veio", conta a veterana.

São Carlos Borromeo
São Marcos Evangelista
São Roque
Nossa Senhora de Lourdes
Nossa Senhora Aparecida
Cristo Crucificado

Com algum esforço, ainda é possível encontrar quem saiba de cor os versos de A cruz da estrada, de Castro Alves, que por décadas ganharam as páginas das cartilhas escolares. Nos tempos em que o poema se fazia obrigatório, a imagem de um cruzeiro em meio ao caminho não era de todo estranha. Os pupilos sabiam do que se tratava. Hoje, seria preciso um powerpoint do professor. E ele mesmo teria dificuldade em dizer onde ainda encontrar um desses tesouros da religiosidade popular.

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SLIDESHOW: Confira imagens e histórias dos oratórios da Grande Curitiba

Em miúdos, cruzeiros, oratórios, grutas e aquelas capelinhas nos frontões das casas estão em extinção. Pior – somem do mapa antes mesmo de terem sido estudados. Erra quem afirma serem símbolos menores, ignorando o que diz o sociólogo Riolando Azzi sobre as particularidades do "catolicismo sem padre", tão próprio do Brasil. A expressão serve como uma luva para explicar o fetiche por objetos e espaços devocionais extraoficiais, pródigos num país com povo de baixa instrução e poucos religiosos para corrigir a fé, restando o consolo das lapinhas e fitinhas.

Tombado

Na Grande Curitiba, apenas um desses endereços de devoção à moda antiga está tombado pelo Patrimônio Histórico – o "Oratório São Carlos Borromeo", plantado numa picada de chão da Colônia Gabriela, reduto de 50 famílias em Almirante Tamandaré. É de 1939. O tombamento, de 1979. Foi erguido numa situação típica: durante uma praga de gafanhotos que arruinava a lavoura, por sugestão do missionário italiano Natal Pigato. Há entre as famílias da região – como os Granato – quem ainda conte o episódio, em detalhes, mais de 70 anos depois.

Gafanhotos, não mais. Rezar em redor do oratório, só de vez em quando, e para pedir a São Carlos outro milagre – o asfaltamento da Rua das Laranjeiras, uma subida empoeirada, cuja recompensa, para quem a vence, é encontrar o inesperado oratório e uma bela vista de Curitiba.

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Difícil nas vizinhanças dos oratórios e cruzeiros quem não saiba citar pelo menos mais um ou dois endereços semelhantes. Levanta-se quase sempre a mesma hipótese – ou os monumentos sumiram, ou foram privatizados. A segunda opção é a menos trágica. A reportagem da Gazeta do Povo identificou uma dezena desses espaços. A contar por essa amostra, pode-se dizer que os que se mantêm assim estão graças aos que os adotaram. Ignorados pelo Estado e pela própria Igreja Católica – que, de acordo com a Cúria Metropolitana, não tem qualquer sorte de registro a respeito –, dependem da piedade dos cidadãos comuns.

Procissão

Há algumas narrativas de fato impressionantes. Na Co­lônia Rebouças, em Campo Largo, existe um oratório mais do que centenário, dedicado a São Marcos Evangelista. Quem fala a respeito é o líder comunitário Mário Fedalto, 45 anos, sobrinho do arcebispo emérito dom Pedro Fedalto, ali nascido.

Em 1884, uma "peste" matou 13 italianos, que se instalaram naquele vale depois de trabalhar na construção da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá. Assustados, os moradores saíram em procissão, passando com velas, onde houvesse enfermos. Conta-se que depois das rezas ninguém mais morreu. A devoção, no entanto, continuou, todo dia 25 de abril, o que faz dela, com folga, uma das mais antigas manifestações públicas de fé no Paraná. Seriam 129 anos de reedições ininterruptas. Difícil é saber há quanto tempo o pequeno oratório – pintado em vermelho – está ali. Listá-lo e investigá-lo não está na ordem do dia.

A procissão de São Marcos faz parte da cultura imaterial do estado. Mas há historietas mais caseiras, como a dos dois oratórios da Rua Padre João Wislinski, no Santa Cândida. De acordo com os moradores, ambos existem faz mais de 100 anos.

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O dedicado a São Roque, na esquina com a Rua Maria Noe­mia dos Santos, sofreu um abalo quando a imagem original, em madeira, foi roubada. Colocou-se uma de gesso no lugar, "mas o povo sumiu", conta o pedreiro Roque Walesko, 80 anos, cuidador do oratório dedicado a seu padroeiro. O lugar agora serve de ponto de oferenda para cultos afro-brasileiros, fartos naqueles altos da cidade. Não há notícia de conflito religioso. Mas nem sempre foi assim.

Dois quilômetros adiante, na altura do número 240, há um oratório ainda mais antigo, um dia dedicado a Nossa Senhora de Czestochowa, ou de Monte Claro, Virgem negra que é padroeira dos poloneses, etnia que colonizou o bairro. Teria sido erguido pela família Klenk, em fins do século 19. Conta-se que, décadas depois, as primeiras oferendas de umbanda e candomblé levaram à retirada do ícone, hoje num museu particular.

Trinta anos atrás, uma vi­zi­nha do oratório – a dona de casa Filomena Kachel Schluga, 83 anos, dissolveu o perigo de uma guerra santa. Ela foi à ci­dade de Aparecida e trouxe uma imagem da Padroeira do Brasil, outra Virgem negra. Agradou a polacos e brazucas. Há relatos de graças alcançadas. O pedido dos moradores, no entanto, se dirige agora à prefeitura: para que proteja os oratórios da Rua Padre João Wislinki. Há de receber em dobro.

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