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Temporal

O dia em que o hospital pediu socorro

Corredor danificado pela chuva no antigo prédio do Hospital Nossa Senhora do Rocio | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Corredor danificado pela chuva no antigo prédio do Hospital Nossa Senhora do Rocio (Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo)
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Em poucos minutos, a chuva de granizo que atingiu Campo Largo no dia 17 de outubro instaurou o caos nos corredores e alas do Hospital Nossa Senhora do Rocio (HNSR), principal referência médica no município da Região Metropolitana de Curitiba. As pedras de gelo que transformaram em uma peneira o telhado do prédio obrigaram a transferência imediata de 400 pacientes para as novas instalações do hospital, que ainda não estavam finalizadas.

O temporal, no entanto, parece ter colhido solidariedade na mesma proporção em que semeou destruição. Não fosse a ajuda de comerciantes e moradores vizinhos do velho hospital, seria impossível levar – em apenas duas horas e meia – quase todos os pacientes (alguns internados em UTIs) e inúmeros equipamentos. "Foi certamente uma obra muito bem elaborada. Por Deus. Chamamos de Arca de Noé", diz o diretor do novo Hospital do Rocio, Luiz Ernesto Wendler, sobre a estrutura para onde os doentes foram encaminhados, que fica nas proximidades e parece ter resistido bem à intempérie.

As circunstâncias em que a transferência de pacientes ocorreu nem de longe eram as ideais. A situação, no entanto, se transformou em um dilema: manter as pessoas no hospital e tentar contornar o problema ou transferir todo mundo em caráter emergencial para a nova estrutura ainda inacabada? "Foi uma decisão muito difícil, mas rápida. Os pacientes foram tomados pelo desespero. Muitos simplesmente levantaram da cama, na UTI, para tentar sair. Pacientes com pontos, com soro, arrancaram o soro e foram para o corredor. As pedras atingiam diretamente a UTI neonatal e estouravam sobre as incubadoras, a luz começou a cair, parecia uma situação de guerrilha. Vi aquilo e decidi: vamos levar todo mundo embora", relata Wendler.

Em meio ao caos, médicos e enfermeiros tentavam acalmar os pacientes e organizar a saída. A chuva, torrencial, começava a inundar algumas alas. A técnica em enfermagem Janete Merchiori Ribinski, 51 anos, estava no centro cirúrgico quando a tempestade chegou. Naquele momento, um senhor estava na mesa de operação para a retirada da vesícula. Quando as pedras irromperam pelo forro de três salas da ala cirúrgica, o médico responsável interrompeu o procedimento, fechou o abdômen do paciente e o levou até o pronto-socorro do hospital. A cirurgia foi concluída no dia seguinte.

"Achei que uma situação assim não fosse possível. Só tinha visto em filme. Parecia que um caminhão de pedras estava sendo descarregado sobre o hospital. Nossa primeira medida foi socorrer os pacientes. Depois, corremos para salvar o hospital. Foi emocionante. Ainda não consigo deitar e dormir sem sonhar com tudo que aconteceu", desabafa Janete.

Rede

A situação provocada pelo granizo formou uma rede de solidariedade quase que instintivamente: percebendo a gravidade da situação, a vizinhança do hospital se mobilizou e, rapidamente, a rua de mão única foi bloqueada para que ambulâncias e carros pudessem circular com mais facilidade; moradores da região ofereceram-se para levar os pacientes até o novo hospital; vans e kombis carregavam respiradores e incubadoras.

Wendler conta que um dos momentos mais inusitados foi quando o motorista de um caminhão estacionou o veículo em frente ao hospital e, "no muque", carregou as incubadoras, que foram levadas às novas instalações. Assim como ele, dezenas de outros voluntários que poderiam simplesmente ignorar a situação e tratar de salvar suas próprias casas se dispuseram a ajudar a transferir pacientes e equipamentos.

"Assumimos uma grande responsabilidade e contamos com a solidariedade do povo de Campo Largo. Nos questionamos: deixamos que levem os pacientes? E os aparelhos? Não conhecíamos todas aquelas pessoas. Mas não tínhamos saída. O hospital estava inundando, os aparelhos molhados, a água escorria pelas rampas", relata o médico. "Naquele momento, meu maior medo não foi da morte, mas que se extraviasse alguma criança. Assim que cheguei no hospital novo pedi que contassem as crianças. E estavam todas lá."

Nova unidade inaugura 1,2 mil leitos

O Hospital do Rocio foi erguido não apenas para substituir o antigo Hospital Nossa Senhora do Rocio, mas também para absorver parte dos casos de urgência e emergência que hoje são atendidos em Curitiba, desafogando o sistema. A gigantesca estrutura (foto) é composta por 12 blocos, totalizando 53 mil metros quadrados de área construída; mil vagas de estacionamento e dois helipontos.

O hospital inaugura 1,2 leitos, sendo 105 de UTI neonatal, 200 de UTI adulto, 856 de enfermaria para atendimento via Sistema Único de Saúde (SUS) e 39 suítes para pacientes particulares – as grandes proporções garantiram à unidade o título de maior hospital da América Latina em número de leitos de UTI em um mesmo complexo hospitalar, segundo o diretor Luiz Ernesto Wendler.

Para manter o colosso em funcionamento, dois mil funcionários assumiram seus postos, além dos médicos. Mas ainda há demanda por técnicos em enfermagem. Como a inauguração, prevista inicialmente para 18 de novembro, teve de ser antecipada, a unidade já está recebendo novos pacientes.

Prejuízos

Enquanto o novo hospital faz os últimos ajustes para funcionar a pleno vapor, o antigo enfrenta talvez seu maior desafio: reerguer-se após o granizo. "Teremos de restaurar o hospital inteiro. Foi um prejuízo terrível. Mas será restaurado e logo receberá mais pacientes", garante Wendler. Os danos no telhado e em equipamentos de alto valor, como o tomógrafo e a hemodinâmica, estão orçados em R$ 3,5 milhões.

Ainda não há previsão de quando a unidade reabrirá as portas, mas há um projeto, antigo, de transformá-la em um hospital de longa permanência, para o tratamento daqueles pacientes que necessitam de cuidados constantes.

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