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Infância

O direito de ser criança, ainda que chegue tarde

É com o mesmo empenho que segura a bola para defender o gol que Nayara Ferreira de Camargo agarra a oportunidade de ser criança. Quase aos 13 anos, ela ainda não cansou das brincadeiras. Adora uma partida com a meninada e tem orgulho de ser considerada uma boa jogadora. "Já falaram até de me levar para jogar no Coxa", diz, esperançosa. Não faz muito tempo que Nayara tem o que comemorar num dia como hoje. Poder brincar e fazer o que gosta é ainda uma novidade na vida desta menina, moradora de uma casinha apertada, numa espécie de conjunto de barracos, os quais dividem espaço num terreno da Vila Torres, uma das favelas mais conhecidas de Curitiba.

Dos seis aos oito anos, a rotina de Nayara era cercada por vassouras, panos de chão, panelas e fogão. Quando não estava na escola – sempre foi boa aluna, apesar das dificuldades –, era ela a responsável por cuidar das tarefas de casa. Nas férias, acompanhava a mãe numa caminhada de quatro horas em busca de lixo reciclável. Brincadeira, só fim de semana. "Pior que eu nem percebia o que estava perdendo", avalia. Nayara redescobriu a infância há quatro anos, quando a mãe a inscreveu num programa de contraturno escolar. "Estou tentando recuperar o tempo perdido", afirma a menina.

Apoio financeiro

Na casinha de três peças que abriga cinco pessoas e dois cachorros, faz diferença ter uma ajuda financeira do governo federal para se viver com um pouco mais de dignidade. A mãe de Nayara é catadora de papel. O padrasto exerce o mesmo ofício nos intervalos entre um ou outro serviço de pedreiro. A assistência do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) oferece uma ajuda de R$ 40 mensais a cada uma das três crianças da casa – além de Nayara, os irmãos Alyson, de 11 anos e Rodrigo, de 9 anos. Tudo para garantir que fiquem longe do trabalho doméstico ou de qualquer outro tipo de trabalho. O município recebe um repasse de R$ 10 pela jornada escolar ampliada – contraturno com reforço escolar e atividades esportivas e culturais.

Estudos

Para Nayara, resta a tarefa de continuar sendo uma boa aluna (está na 7.ª série), defender bem o gol do seu time de futebol e brincar. "Eu gosto de jogar bola, bolinha de gude e pipa. Brincadeira de menina é só boneca", fala com um certo desdém. A menina joga na rua, tentando evitar que a bola caia no Rio Belém, que passa ao lado de onde mora. O perigo de que a bola caia no esgoto é, aliás, a menor das dores de cabeça que a vizinhança do barraco gera. Em meio a carrinhos de coleta de lixo e material coletado, a vida na favela é uma constante tentativa de fuga da criminalidade e violência. Mais que o sossego financeiro, manter as crianças bem ocupadas na escola traz tranqüilidade para a família. "Minha mãe sempre se preocupou com o que podia acontecer se a gente ficasse em casa, sem ter o que fazer", conta a menina.

Num futuro não tão distante, quando deixar de ser criança, Nayara sonha colher os frutos da oportunidade que está tendo. "Eu sempre sonhei em ser médica, desde pequenininha, mas é muito difícil (olhando ao redor de sua casa). Quem sabe se eu me tornar uma jogadora profissional eu consiga", planeja. O que ela tem certeza, por enquanto, é que brincar é muito bom. "Se a criança trabalha, falta infância. E infância é uma coisa muito importante".

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