Desde os anos 70, o renomado jurista italiano e historiador do Direito Paolo Grossi se lembra de ter vindo ao Brasil pelo menos seis vezes. Nesse período, presenciou grandes transformações no país e nas práticas jurídicas nacionais. "Observo um crescimento cultural, uma revolução na forma como os brasileiros pensam o Direito". Nos seus primeiros contatos com as faculdades de Direito do Brasil, Grossi constatava a presença de ótimos técnicos, mas nada além disso. "Era o Direito como técnica, como instrumento para o advogado e o juiz resolverem uma questão. Hoje é diferente. Compreendeu-se que o Direito é uma dimensão necessária e insubstituível da sociedade civil", explica.
Grossi esteve em Curitiba nesta semana para participar do 5.º Congresso Brasileiro de História do Direito, quando falou sobre a identidade do jurista hoje. Ele conversou pessoalmente com a reportagem da Gazeta do Povo um dia antes de receber o título de doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Paraná. Bem humorado, declarou seu fascínio pelo Brasil na entrevista concedida ao lado do diretor da Faculdade de Direito da UFPR e presidente do Instituto Brasileiro de História do Direito, Ricardo Marcelo Fonseca, que ajudou a eliminar as barreiras da linguagem.
O senhor veio ao Brasil para falar sobre o papel do jurista hoje, em um congresso de História do Direito. Em que sentido o jurista da pós-modernidade é diferente do jurista moderno?
Nós temos sobre as nossas costas o século 20, que eu não hesito em chamar de pós-moderno. Isso quer dizer que do ponto de vista jurídico este século se distancia muito daquilo que foi a modernidade jurídica, que acreditou fortemente no Estado, chamado a controlar todo o Direito. Durante a modernidade tivemos um vínculo muito forte, quase necessário, entre o poder político e a formação do Direito. O novo século se inaugura em direção oposta. O Estado não basta para conter e organizar a sociedade. Há um grande movimento de mudança sobre o plano social, econômico e técnico. Estado e lei não são mais capazes de ordenar a sociedade. Isso já constatamos nos primeiros anos do século 20. Agora, o que quer dizer o direito para os juristas pós-modernos? Quer dizer crise do Estado e crise da lei. A sociedade descobre a sua complexidade jurídica, multiplicam-se as fontes do direito e temos uma situação de incerteza. Mas também de busca de novas certezas. As velhas certezas da modernidade, Estado e Lei, não bastam mais.
E isso é uma coisa boa?
Creio que sim. Quando ensinava na Universidade de Florença, dizia aos alunos: "orgulhem-se de estudar a ciência jurídica". Para o jurista este é um tempo difícil, mas fértil. Difícil porque a ciência jurídica, os juízes, a mesma prática jurídica, os notários, os advogados, são investidos da formação do Direito. Ou melhor, eles devem fazer uma obra de suplência. Antes o Estado pensava em tudo, o Direito se identificava em uma lei ou em um complexo de leis, em um conjunto de regras gerais, autoritárias. Agora isso não é mais possível. Existe a necessidade de poderes supletivos. E de quem são eles? Claro que dos proprietários das técnicas do Direito, os professores, juízes, advogados, notários.
O jurista deixou de ser apenas um aplicador da lei, passou a transformar sua aplicabilidade?
Está se desenvolvendo na Europa continental um fenômeno que sempre aconteceu no mundo não continental, o mundo inglês. Na Common Law há uma continuidade absoluta entre a Idade Média e a modernidade jurídica. Na Idade Média, o protagonista da formação do direito era o jurista. Com a modernidade, sobretudo com a Revolução Francesa, tudo é confiado ao Estado. Há um protagonismo do Estado mesmo na criação do Direito. Mas na Inglaterra continua o protagonismo dos juristas, sobretudo dos juízes. Na Itália, e creio que em toda a Europa continental, nos encontramos em uma situação que nos aproxima muito do mundo da Common Law, porque o juiz tem um papel enorme e também porque a Europa continental durante a modernidade inventou códigos esplêndidos, obras-primas de doutrinas jurídicas. Mas eles não são mais suficientes para ordenar a vida jurídica que ao longo do século passado é enorme. O século 20 teve esta característica: o percurso de um movimento de mudança que nunca houve antes. O legislador às vezes é surdo ou impotente. Eis que há a necessidade de outras fontes de Direito, porque a sociedade é um corpo vivo.
Nesse sentido a Common Law seria mais adequada para que o Direito se adaptasse rapidamente às mudanças sociais?
Não há dúvida de que a Common Law soube ordenar uma sociedade capitalista muito desenvolvida, primeiro a inglesa e depois a dos Estados Unidos. Porque atribuir a formação do Direito a seus mestres, a juristas, a notários, significa não fossilizá-lo em um texto escrito de uma vez por todas, para sempre. Na França é ainda vigente o Código Napoleônico, de 1804. Naturalmente que houve mudanças, mas a estrutura permanece a mesma. Na Itália temos vigente o código de Direito Privado de 1942, mas há necessidade de tantos institutos novos que nascem da prática cotidiana. O risco agora é a separação sempre grosseira entre os fatos da vida do cotidiano e o Direito oficial.
Quais os atuais desafios jurídicos europeus?
Estamos criando com dificuldade a União Europeia, união política e jurídica. Um dos problemas é a dúvida quanto à produção de um código de Direito Privado europeu. O risco é fazer uma obra de arte jurídica perfeita, mas que se tornará velha em poucos anos. Apenas pense neste grande fato técnico: a revolução digital, que é ficção científica para o código italiano de 1942.
No Brasil, temos hoje muitas instâncias judiciais, a primeira, a segunda, o STJ e o STF. O ministro Cezar Peluso tem uma proposta de reduzir a possibilidade de tantas instâncias e permanecer apenas com duas. Esse pode ser um problema ao princípio do devido processo legal?
A possibilidade de um recurso a uma terceira instância é uma grande garantia ao cidadão. O que falta na Itália é um número suficiente de juízes. Os juízes são poucos, o trabalho é grande e temos lentidão extrema. Um problema do primeiro grau para chegar ao terceiro pode demorar até 20 anos. E isso é ruim, pois a Justiça tem de ser rápida. Fundamental é ter um número de juízes que seja capaz de resolver esse problema da celeridade, mas não tiraria essa garantia ao cidadão de poder ter três graus de jurisdição.
O STF tem grandes discussões de repercussão nacional, como o caso de aborto de fetos anencéfalos e as cotas raciais nas universidades públicas. Como é na Itália?
Temos casos assim. Um dos maiores é o dos doentes terminais. Coloca-se a questão de poder desligar as máquinas de uma pessoa que vive em estado vegetativo. O matrimônio dos homossexuais foi recentemente discutido na corte. São temas que resguardam os direitos fundamentais da pessoa humana. Temos problemas grandes sobre o conflito intercultural, quero dizer, sobretudo, interreligioso.
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