Silenciosa e devastadora, a doença renal crônica (DRC) é considerada uma multiplicadora de doenças. Frequente principalmente em quem sofre de hipertensão e diabete, se não for tratada há tempo pode levar à anemia, a problemas cardíacos e até à morte.
Muitas vezes ignorados, os rins são órgaos essenciais ao funcionamento do organismo. Além de filtrarem as impurezas do sangue, são responsáveis pela ativação da vitamina D, que garante a saûde dos ossos, e pela liberação da eritropoietina, hormônio que estimula a produção de glóbulos vermelhos, responsáveis por levar oxigênio a todas as células do corpo.
Uma disfunçao renal pode ser detectada com um simples exame de urina ou de sangue, mas muitos médicos ainda se esquecem de pedi-los. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha no ano passado mostra que apenas três em cada 10 habitantes do país já fizeram algum exame para avaliar a função renal.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), cerca de 2 milhões de brasileiros sofrem de algum grau da doença.
Destes, 87 mil já atingiram a fase terminal da doença (insuficiência renal); ou seja, contam com apenas 10% das funções dos órgãos e precisam fazer diálise, tratamento que faz a filtragem do sangue e a eliminação de líquido.
Funcionamento
Cada rim possui cerca de 1 milhão de néfrons, pequenos filtros que fazem a limpeza do sangue, Enquanto a doença progride, um número cada vez maior de néfrons é destruído. "No caso do hipertenso, as paredes internas dos vasos sanguíneos engrossam, diminuindo o fluxo sanguíneo até os rins. O diabete atinge o órgão de outra forma: o acúmulo de glicose no sangue lesiona os vasos de todo o organismo, inclusive os dos rins", explica o professor de nefrologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Hugo Abensur.
Outras causas para a DRC são os rins policísticos; doenças autoimunes, como a lupus; infecções crônicas de urina; obstruções causadas pelas pedras nos rins e tumores; além da gloerulonefrite, um conjunto de inflamações que danificam os néfrons.
Nova rotina
A doença crônica renal não tem cura. A perda das funções renais é permanente e gradual. Por isso a descoberta é impactante para o paciente. Embora existam várias formas de controlar a doença, a vida de quem é diagnosticado muda para sempre.
O representante comercial Osvaldo Matiola Junior, 38 anos, tinha hipertensão desde a adolescência, mas só foi descobrir que os seus rins tinham sido comprometidos pela doença aos 25 anos. "Foi um choque. Não sabia que tinha hipertensão, e muito menos insuficiência renal. Durante sete anos consegui controlar a doença com medicamentos, mas depois disso tive de começar a fazer hemodiálise", explica.
Osvaldo conta que, com o tratamento, tem uma rotina praticamente normal e que teria condições de trabalhar. Porém tem medo de abdicar do auxílio-doença e não ter condições de sustentar a família. "Ainda existe muito preconceito e não há nenhuma lei que obriga o empregador a me manter no trabalho. Não tenho nenhuma garantia, por isso não posso correr o risco", desabafa.
Tratamento
Quem atinge a fase terminal da doença pode recorrer a três tipos de tratamento: a hemodiálise, a diálise peritoneal ou o transplante de rim. O transplante é a melhor opção, mas é a mais difícil de ser alcançada. Existem hoje cerca de 34 mil brasileiros na fila de espera pela cirurgia. Muitos estão há mais de 10 anos à procura de um doador. E mesmo quem consegue realizar a cirurgia não se livra totalmente da doença.
A hemodiálise, tratamento mais procurado, é realizada em hospitais e clínicas especializadas. Três vezes por semana, durante três ou quatro horas, o doente precisa se ligar a uma máquina para fazer a filtração dos rins.
Já a diálise peritoneal pode ser feita em casa. Nesse caso, enche-se a cavidade da barriga com líquido (uma espécie de soro) que faz a limpeza das toxinas do sangue e depois é drenado por meio de um cateter. O tratamento pode ser realizado de três a quarto vezes por dia ou à noite, enquanto o paciente estiver dormindo. É indicado, principalmente, para idosos e crianças como o pequeno Francisco, de apenas 6 meses.
Filho da vendedora Silvana Prado, 27 anos, Francisco nasceu com os rins muito pequenos e há dois meses começou a fazer diálise. "Fiquei muito assustada quando descobri o problema do meu filho. O tratamento é um pouco agressivo para um bebê tão novo e a doença renal atrapalha o desenvolvimento e o crescimento dele. Mesmo assim, estamos esperançosos e à procura de doadores na família. Quando ele estiver com 10 quilos, já sera possível fazer o transplante", conta.
Números preocupantes
O tratamento de pacientes com insuficiência renal custa caro aos cofres públicos: cerca de 10% da verba destinada à saúde no Brasil, o que equivale a R$ 2 bilhões por ano. Isso ocorre porque 86% dos pacientes realizam o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Apesar de tanto investimento, muitos brasileiros ainda não têm acesso ao tratamento. Atualmente, existem 684 centros de nefrologia em todo o país. De acordo com os especialistas, o ideal é que existissem 50% a mais de vagas para diálise.
"Montar um centro de nefrologia não é barato. Você precisa de várias máquinas que custam em media R$ 50 mil , um minucioso sistema de tratamento de água, uma equipe numerosa e especializada. Tudo isso custa em torno de R$ 2 milhões", estima o professor da USP.
As regiões Sul e Sudeste são as que concentram o maior número de centros, 482 no total, de acordo com o censo realizado pela SBN. Só no Paraná existem mais de 40.
Anemia
A anemia renal é uma das piores complicações da DRC. Causada pela queda da eritropoietina, a doença é caracterizada por fadiga, debilidade das funções cognitivas, depressão e falta de ar, entre outros sintomas. Metade dos pacientes com DRC têm anemia renal.
Além do mal-estar, que prejudica a rotina do paciente, a anemia renal ainda contribui para a progressão da DRC e aumenta os riscos de desenvolver complicações cardiovasculares.
Até o final da década de 1980, as transfusões de sangue eram o único método existente para tratar da anemia renal. Quase dez anos depois foram criados em laboratório os agentes estimulantes da eritropoiese (produção de glóbulos vermelhos) e foi a solução encontrada para tratar da anemia.
O problema é que os agentes convencionais precisam ser injetados três vezes por semana e, como as doses precisam ser ajustadas com frequência, costumam apresentar instabilidade.
O laboratório Roche lançou em 2007 uma nova opção de eritropoietina, o Mircera, que possui meia-vida mais longa e que, por isso, precisa ser injetada apenas uma vez por mês.
O Mircera tem o mesmo custo da epoietina convencional e já está sendo comercializado em 60 países. No Brasil, ele já foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e deve começar a ser vendido para hospitais e clínicas ainda neste mês.