O projeto de lei que proíbe pais de darem palmadas em crianças e adolescentes reacendeu uma polêmica sobre o papel do Estado na vida familiar. A proposta foi enviada nesta semana ao Congresso Nacional e, se aprovada, poderá impedir que seja utilizado qualquer tipo de castigo físico na educação dos filhos. Para alguns, a medida interfere na autonomia dos progenitores. Mas, afinal, o Estado deve legislar sobre questões privadas ou sua tarefa é a gestão do que é público? O fim da cultura do castigo deveria ocorrer por meio de um marco legal ou pela educação?Outras leis também criaram controvérsia ao abranger temas semelhantes. Uma delas, por exemplo, é a data de entrada no novo ensino fundamental de nove anos. Há, ainda, aquelas que legislam sobre o tipo de publicidade e alimentação para meninos e meninas. Para os críticos, o Código Penal e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já coibiam a violência física. O projeto apresentado pelo governo federal seria um contrassenso.
Para a professora de Ciência Política da Universidade Estadual de Maringá Celene Tonella, qualquer lei deve ser amplamente discutida com a sociedade, caso contrário corre-se o risco de não ser cumprida. Apesar disso, ela vê aspectos positivos. "Após a redemocratização do país, muitas questões privadas passaram a fazer parte do debate público. O projeto é uma forma de as pessoas começarem e discutir a violência contra a criança", diz.
A interferência do Estado deve ocorrer para evitar que um indivíduo viole o direito do outro. O doutor em direito constitucional Zulmar Fachin afirma que há relações sociais em que o Estado precisa interferir, apesar da polêmica. "Mesmo que a pessoa esteja dentro de sua casa, ainda assim há normas a cumprir. Nesse caso, a lei que proíbe as palmadas me parece mais pedagógica por não prever sanções penais aos pais". Para ele, salvo alguns absurdos, de maneira geral o Estado regula a sociedade de maneira positiva.
Apesar das críticas, o governo federal afirma que o principal objetivo da lei é conscientizar os pais e trabalhar com a educação. As sanções previstas, como o encaminhamento a tratamento psicológico, já estavam contempladas no ECA. O marco legal seria necessário porque a legislação não era específica sobre castigos físicos. Além disso, é uma recomendação das Nações Unidas.
Liberalismo e proteção
A questão sobre o papel do Estado faz parte de um debate atual que divide pensadores. Há quem defenda uma interferência mínima e outros que creditam ao poder público a tarefa da igualdade social. Mais presente na economia, a discussão também atinge outras áreas, como a vida em família. "Acredito em uma união entre as duas tendências. Elas se equilibram. O individualismo também precisa do Estado, mas ao mesmo tempo em que é preciso proteção social, extremos como o totalitarismo também não são ideais", afirma o cientista político da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ricardo Oliveira.