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"O Fim da Beleza"

A beleza é reacionária? Entenda por que vídeo da Brasil Paralelo está sendo perseguido

Entenda por que o documentário da Brasil Paralelo está sendo perseguido
Presente no documentário “O Fim da Beleza”, pintura do artista italiano Pietro da Cortona, que ilustra o teto do salão do Palazzo Barberini, na Itália, demorou seis anos para ser concluída. (Foto: Reprodução YouTube)

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Um exercício simples feito pelo professor universitário e artista visual norte-americano Robert Florczak explica parte da crítica feita pela produtora Brasil Paralelo no documentário “O Fim da Beleza”, que recentemente foi alvo de uma campanha de censura na internet pedindo o cancelamento de sua veiculação na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Florczak pediu a um grupo de graduados em Artes que analisasse um quadro que seria de um grande pintor do expressionismo abstrato – movimento surgido na década de 40 que questionava os moldes tradicionais da pintura e enfatizava a expressão individual e espontânea do artista – e escrevesse um texto explicando por que aquela obra era boa.

Quase todos os universitários elaboraram uma avaliação bastante positiva sobre a peça, fazendo referências aos padrões usados nas artes daquele período. Ao final do exercício, o professor explicou que a “obra” em questão não era de um renomado pintor, mas apenas uma foto em ângulo fechado (veja abaixo) do avental de pintura de Florczak.

Outros exemplos de expressões artísticas questionáveis citados no documentário são os de exposições de uma escultura de fezes gigante, de uma vagina de 33 metros (cuja criadora questionava a “problematização de gênero”), e pinturas e ilustrações que afastam propositalmente padrões estéticos e resumem as peças a críticas sociais ou meros “sentimentos” do artista quanto a sua realidade.

A atual valorização dessas obras em galerias e exposições de arte, na arquitetura e em demais meios culturais é citada como resultado de uma “desconstrução” do conceito de belo na arte moderna e contemporânea. Segundo a linha de raciocínio do documentário, as obras, então, não estariam mais associadas a valores clássicos, como habilidades estéticas, esforço humano e excelência, mas sim a uma mera percepção do espectador.

Com esse pano de fundo, o documentário entrou no radar de censores de opiniões. O perfil no Twitter que deu início à campanha chegou a classificar a produção como “reacionária”, que “ressalta um discurso supremacista”. Mesmo ganhando apoio de alguns militantes de esquerda, a estratégia acabou tendo o efeito contrário: o vídeo foi transmitido na universidade na última quinta-feira (3), apesar do protesto de estudantes em frente à instituição; e, segundo a plataforma de vídeos, dada a repercussão da tentativa de censura houve um significativo aumento no número de visualizações do documentário no YouTube.

<em>“Obra de arte” apresentada aos alunos por Robert Florczak era, na verdade, um "close up" do avental de pintura do professor, que também é artista visual (Reprodução YouTube)</em>

Aparelhamento político da arte

Para fontes consultadas pela Gazeta do Povo, apesar de a beleza ser uma busca do ser humano que eleva sua própria natureza, movimentos artísticos mais recentes têm procurado cada vez mais dar uma “função material” ao trabalho artístico. Essa nova concepção, além de recorrentemente estar associada ao uso político da arte, passou a ignorar importantes aspectos estéticos responsáveis pela concepção da beleza nas peças artísticas.

De acordo com Gustavo França, doutor em Filosofia pela Universidade de Navarra (Espanha), a arte, assim como a filosofia, passou a estar submetida a fins utilitaristas. A consequência disso, segundo o filósofo, é que os benefícios imateriais aos quais a beleza artística e cultural está associada acabam sendo cada vez mais raros.

“A filosofia em Aristóteles tem essa finalidade: alimentar a vida intelectual do ser humano. Karl Marx, na suas Teses sobre Feuerbach, vai inverter esse imperativo: ‘os filósofos se dedicaram a compreender o mundo; chegou a hora de transformá-lo’. Aqui, a filosofia é colocada a serviço de uma ação política, o que para o ser humano é algo violento”, explica França.

“Na nossa sociedade há um risco que vem se realizando, de que a arte passe pelo mesmo processo. Muitos pensadores dizem expressamente que a arte serve pra chocar. Não que a arte não possa ser provocativa, mas causar choque, espanto ou escândalo não é uma finalidade particularmente elevada ou nobre; submeter a arte a isso é desvalorizá-la”, ressalta.

O filósofo alerta ainda que a desvalorização dos padrões clássicos de excelência no âmbito cultural e artístico representa impactos a toda a sociedade. “Hoje se tem uma ideia de sociedade ‘democratizada’ numa conotação infeliz de uma categoria política para a cultura, no sentido de que falar em padrões elevados significa danos a nossa autoestima, significa colocar ‘para baixo’ pessoas que não conseguem atingir esses padrões. Isso é um absurdo”, contesta França.

Essa forma de pensar relativista, explica ele, elimina diferenças objetivas e também busca extinguir a existência de superioridade e inferioridade. “Esse é o efeito do relativismo: eu deixo de ter padrões. ‘Beethoven e funk são a mesma coisa’. Adotar esse tipo de pensamento resulta em uma sociedade medíocre por uma mera questão de se afirmar democrática”, declara. “A cultura tem padrões; ela está espelhada nos melhores. Uma sociedade em que o relativismo impera é uma sociedade que se torna medíocre”.

Argumentos sobre decadência da arte contrariam “hegemonia cultural”

Na avaliação de Maurício Serafim, professor titular do departamento de Administração Pública na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e pesquisador de “Interfaces entre ética e dimensão antropológica na Administração”, ao longo dos anos foi sendo criada uma hegemonia cultural e política que atinge diretamente a produção artística. Orquestrada por ideólogos à esquerda, essa hegemonia foi originada a partir do conceito de “política cognitiva”, isto é, do uso estratégico da linguagem, cuja finalidade é levar as pessoas a interpretarem a realidade em termos adequados aos interesses dos agentes diretos e/ou indiretos de tal distorção.

“Sabe-se que se obteve a hegemonia quando uma determinada ideologia se torna uma cultura, ou seja, assume-se a ideologia acriticamente, como uma segunda natureza. As pessoas não se dão conta de que assimilaram uma determinada visão de mundo, mas a assumem como um imperativo categórico, de modo que quem não concorda ou a questione estaria cometendo um grave delito”, explica Serafim.

O combate a determinados questionamentos, como no caso da tentativa de censura ao “O Fim da Beleza”, seria, portanto, um exemplo de como os que buscam a hegemonia política se protegem do debate racional. “A resistência de certos setores ao documentário da Brasil Paralelo provavelmente se dá porque o perceberam como uma possível ameaça a sua hegemonia e pela exposição à luz do dia da política cognitiva no campo da arte”, aponta Serafim.

“A meu ver, essa resistência não tem relação com o conteúdo em si do documentário – porque isso exigiria uma análise crítica e entraria no campo do debate racional, o qual evitam e buscam se proteger – mas do que ele de fato representa: uma visão alternativa e uma linguagem que não está sob o controle da atual hegemonia cultural”, ressalta.

Documentário toca em ferida, diz diretor-executivo da Brasil Paralelo

Para Henrique Viana, diretor-executivo e um dos fundadores da Brasil Paralelo, o documentário “toca em uma ferida” ao apontar a decadência dos padrões de beleza presentes na cultura atual e, naturalmente, faz com que pessoas que estão envolvidas nesse processo se sintam desconfortáveis. “Essa decadência é abordada e questionada com ciência, inclusive mostrando experimentos neurológicos sobre como as pessoas reagem a determinados cenários ou paisagens. E há uma crítica aos movimentos artísticos modernos também”, afirma Viana.

Para ele, as tentativas de impedir a veiculação do documentário, em especial em universidades – há outros casos de instituições de ensino superior em que professores e alunos se articularam para proibir a transmissão do vídeo – denotam a indisposição ao debate cultural e intelectual. “Em geral, nas universidades há uma ideologia predominante, que é o que leva a essa concepção de arte funcional, utilitária. Enquanto os lados dessa discussão não tiverem a capacidade de fazer autocrítica não vamos evoluir como sociedade. É dessa imaturidade e incapacidade de dialogar que surge as tentativas de censura”, declara.

O diretor da plataforma de vídeos aponta, no entanto, o receio de que movimentações como essa, que bradam por censura, acabem ressoando em autoridades do poder público que comecem a censurar determinados assuntos. “No Brasil já existem algumas instâncias de poder estabelecidas, principalmente no Judiciário, que entendem que devem censurar algumas ideias. O problema é quando essas manifestações vão se somando como um caldo de representatividade para, depois, um poder estabelecido tomar alguma atitude de censura”.

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