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Debate

O fim da prisão especial?

“Algumas pessoas têm de ter prisão especial. E o juiz que condena? O advogado que atua na acusação? Se alguém morrer na cadeia, a culpa será do juiz que não concedeu a prisão especial.”
Jacinto Couti­nho, professor de Direito Processual Penal da UFPR |
“Algumas pessoas têm de ter prisão especial. E o juiz que condena? O advogado que atua na acusação? Se alguém morrer na cadeia, a culpa será do juiz que não concedeu a prisão especial.” Jacinto Couti­nho, professor de Direito Processual Penal da UFPR (Foto: )

Na próxima quarta-feira, a Câmara dos Deputados decide se derruba ou não a prisão especial no Brasil. A votação polêmica estava marcada para a última quarta-feira, mas foi adiada por falta de entendimento entre os parlamentares, que pediram uma semana a mais para tentar chegar a um consenso. Caso a proposta seja aprovada, ela segue direto para sanção presidencial, passando a valer depois de 60 dias de sua publicação. Junto com a prisão especial, devem ser votadas pelos deputados algumas modificações no Código de Processo Penal, como o aumento do teto da fiança penal e a criação de alternativas à prisão preventiva.

Durante a sessão realizada nesta semana, os parlamentares questionaram o excesso de poder que seria dado aos juízes e aos delegados caso seja aprovada a nova proposta. O texto do projeto proíbe a prisão especial, mas abre uma brecha para sua concessão quando houver uma decisão fundamentada do juiz nos casos em que ela for necessária para a preservação da vida e da integridade física e psíquica do preso. O delegado também teria a mesma prerrogativa no caso de prisão em flagrante e cumprimento de mandado de prisão.

O adiamento da votação foi pedido pelos deputados Newton Cardoso (PMDB-MG), Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS) e pelo líder do PR, deputado Lincoln Portela (MG). "Não é possível acabar com a prisão especial e deixar essa decisão na mão de um juiz", disse o líder do PR à Agência Câma­ra. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) mostrou preocupação com efeitos colaterais da medida. "A prisão especial tem de acabar para todos. Imagina no interior do país, onde há casos de perseguição política, deixar alguém na mão de uma autoridade policial ou judicial."

O benefício da prisão especial, hoje, é permitido apenas nas prisões provisórias, ou seja, aquelas determinadas enquanto não houver sentença condenatória irrecorrível. Depois da sentença condenatória final, o condenado cumpre a sentença em presídio comum.

Risco

Para o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, o projeto de lei que visa acabar com a prisão especial no Brasil, com o argumento de preservar a igualdade, acaba gerando desigualdade. Ele avalia que o ideal seria conceder a prisão especial conforme o tipo de crime cometido, separando-se os presos cautelares suspeitos de cometer crimes não violentos dos suspeitos de cometer crimes com emprego de violência. Com a possibilidade do fim do instituto, porém, diz Cavalcante, a OAB defende a manutenção da prisão especial como é hoje, já que o sistema prisional é caótico. "Essa ideia de acabar com a prisão especial é algo de cabeça de primeiro mundo, mas com [aplicação em] um sistema penitenciário perverso e falido", comentou.

De acordo com a vice-presidente de Direitos Humanos da As­­sociação dos Magistrados Bra­sileiros, a juíza da 40.ª Vara Cri­minal do Rio de Janeiro, Renata Gil, a alteração fere o estado democrático de direito. "Essas pessoas que têm representatividade na República terão suprimida uma garantia que afeta todos os cidadãos. Imagine um membro do Ministério Público preso ao lado de alguém que acusou", afirmou.

Para o professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná, Jacinto Couti­nho, haverá riscos. "Algumas pessoas têm de ter prisão especial. Como que o jornalista vai trabalhar? Escrever contra bandido? E o juiz que condena? E o jurado que fez papel de juiz [no Tribunal do Júri]? O advogado que atua na acusação? Se alguém morrer na cadeia, a culpa será do juiz que não concedeu a prisão especial", criticou.

Segundo Cavalcante, a OAB entrou em contato com os parlamentares para conversar sobre o assunto. A Associação dos Magis­trados Brasileiros (AMB) afirma que já estuda as medidas que podem ser tomadas para questionar a constitucionalidade da proposta, caso ela seja aprovada. "A prisão especial soa como privilégio, mas, na verdade, ela é uma garantia para as pessoas que estão à frente do combate à criminalidade", ressaltou Renata. "É surreal. Você não pode atribuir determinadas funções de combate ao crime a algumas pessoas e não prever uma prisão cautelar separada para elas", complementou Coutinho.

ANÁLISE

Reforma não chega em boa hora

A minirreforma do Código de Processo Penal (CPP), prevista no Projeto de Lei 4.208/01, não vem em uma boa hora, dizem os especialistas, já que o Congresso Nacional discute a instituição de um novo CPP, com o Projeto de Lei 156/2009, já aprovado pelo Senado e em trâmite agora na Câmara de Deputados.

"O Congresso Nacional está dando um péssimo exemplo de desorganização de seus trabalhos. Como o Senado já aprovou o novo CPP, outros projetos sobre o tema deveriam ser suspensos até que se decidisse sobre ele na Câmara.

Não pode ter essa superposição", opina o jurista René Ariel Dotti, integrante da comissão responsável pelo texto original do Projeto de Lei 4208/01.

O atual CPP é de 1941 e sua última grande reforma foi feita em 2008. O Projeto de Lei 4.208/01 é resquício de uma reforma iniciada em 2008. Em sua redação original, ele não fazia qualquer menção à queda da prisão especial. Em sua passagem pelo Senado, entretanto, ganhou um substitutivo prevendo uma alteração no art. 295 do CPP, que dispõe hoje sobre a prisão especial, e a revogação de vários dispositivos de leis especiais, que preveem o benefício para algumas categorias específicas.

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